Cuiabá estava em polvorosa. Repórteres de todos os respeitáveis meios de comunicação apinhavam-se à porta do pequeno sobrado verde, geminado a um azul e a um descascado. Dona Alzira saiu enfim, abraçada às tradicionais papagaias de pirata da família. Emocionada, balbuciou agradecimentos a Nossa Senhora, Santo Antônio, Jesus Cristo, Deus e à Polícia Federal. Há dois meses desaparecido, seu esposo, Alcides da Silva, caminhoneiro profissional há mais de trinta anos, fora encontrado como efeito colateral da Operação Pajé Ubirajara, estratégia secreta de nossa força nacional em busca de traficantes de ouro e aliciadores de menores no sul do Mato Grosso. O velho Alcides, em aparente overdose de ayahuasca, chamou a atenção dos policiais à paisana ao desfilar, seminu, em tangas de crochê e ornamentos penosos, pela praça central de Campo Novo de Parecis, gritando a pleno pulmões que era a encarnação de Peró Naruê Xantim. A despeito disso, os munícipes já o conheciam pela alcunha de “Cidão Caramuru”.
Acreditando-se em bocas de Matilde parecisenses, parece que a história se passou como segue. Alcides já deixara Cuiabá bastante aborrecido com seu supervisor, um trainee esnobe que se divertia enviando a velha guarda da firma aos destinos menos nobres. Sua incumbência era buscar a soja produzida em Sapezal, nos quilômetros finais da rodovia MT-235, mais conhecida entre ele e seus companheiros como a porra da rodovia do índio. Já antecipando o quão difícil seria escapar dos atoleiros, o experiente caminhoneiro encheu sua cabine de mandingas anti-pluviais. Ainda assim rodou e rodou entoando rezas com a figurinha de Nossa Senhora dobradinha e presa ao anel do dedo mindinho. Ao se aproximar da terrível travessia florestal, surpreendeu-se com um monumental tapete asfáltico, ainda perfumado de nova tinta amarela. Como se a santa lhe dissesse que não era sonho, avistou a placa: “Pedágio dos índios – 3 KM”.
Ainda entorpecido, Alcides não resistiu a uma piadinha na cabine número três, boa tarde, aceita miçanga? A bonita nativa pareci não entendeu, não sorriu, falou são dez reais senhor e estendeu-lhe um recibo e um folheto: “VISITE A PARADA AMIGA PARECI”. Alheio aos riscos de adentrar o caminhão naquela excêntrica vicinal, Alcides rodou, passou pelo Capivara Grill, barraquinhas de artesanato, pelo Alligator’s Burguers, pelas casinhas de protótipos de pajé ofertando ervas e curas, mas foi parar mesmo no Iracema’s – Honey Lips Virgins, graças ao neon vermelho e azul recém-inaugurado. Ali conheceu Suzana, linda mestiça de índios com missionários neozelandeses, apaixonou-se, prometeu tirá-la da vida, ignorou Dona Alzira que a estas horas já dormia tranqüila lá em Cuiabá. E logo no estacionamento do motel Xanxerê Xanchadas lhe depenaram todo o caminhão, não perdoaram nem a foto de Dona Alzira, ainda jovem, colada ao cd riscado do rei Roberto que ele pendurava no retrovisor.
Em meio à confusão, foi apresentado a um tipo meio esquisito com shorts adidas que se dizia cunhado de Suzana. Ponderou-lhe que a delegacia mais próxima ficava só em Sapezal e sugeriu que tomassem uma cachacinha pra esfriar a cabeça. Este meliante encontra-se neste momento detido por suspeita de envolvimento no ilícito, mas o que importa é que Alcides tomou sete doses de ayahuasca convencido de que era pinga com ervas da região. O paradeiro e as desventuras de Alcides nos dois meses que passou na selva, lamentavelmente, são difíceis de reconstituir, considerando as restrições imposta pelo Ibama e pela Funai para a devida proteção dos códigos culturais parecis. Alcides se encontra agora discursando em rede nacional de televisão, ao vivo de Cuiabá, carinhosamente abraçado com Dona Alzira e seus filhos. Parece solene e elogia as iniciativas do atual governo com vistas ao progresso do país.