22.1.11

Epístola ao Sr. Lovric

Prezado Sr. Lovric,

Venho por meio desta, humildemente, mandar um muito obrigado.
Nesta noite solitária de sábado, aqui na região nova-rica da capital federal, finalmente encontrei a serenidade para me suportar, abrir meu novo lap-top, devidamente financiado pela generosidade do governo federal, e ler as coisas que realmente importam. Leia-se a leitura: o meu próprio blog, o seu, as letras de música do Rush e do Pink Floyd, o Tchecov, o Shakespeare, e tantas outras manifestações de pessoas que emprestam sua testa ao que dá a esta nossa existência um mínimo de sentido.
Você, Sr. Lovric, tinha tudo para ser um mero amigo de um amigo. Como naquele episódio do Seinfeld em que o George se desespera ao perceber que teria de ir sozinho ao cinema com a Elaine. Alguns amigos de amigo só funcionam com a presença do amigo. Sem o dito, desespero certo. Felizmente, ao invés de pedirmos um sanduíche de atum numa cafeteria e ficarmos falando mal do Mendes (como fizeram Elaine e George com o Seinfeld), construímos uma grande amizade baseada em poucos encontros e enorme empatia.
Seus personagens, o Capitão São Paulo, o Gílson e, especialmente o Jimmy Jazz, seu alter ego, papel de parede deste meu lap-top, me mostraram que é muito fácil soltar nossa criatividade para o mundo. Requer um esforço espiritual, é certo, mas poucos recursos materiais. Eu vi o óbvio, por sua causa: é quase uma obrigação fazer isso. Com tanta gente, com tanta grana, fazendo tanta merda, plantar nossas hortinhas certamente fará o mundo respirar melhor.

Sem mais, subscrevo-me.

Iatã Lessa

Não entendeu? Entre no túnel do tempo do Blog Show: http://travessiadoiata.blogspot.com/2009/03/mudanca-de-proposta.html

A réplica:

Fala.

Muito me alegra, a epístola, por motivos diversos. O primeiro, por aprender que lograste êxito em conceber a simples equação da paz de espírito: fazer o teu negócio, independente de qual seja e de resultado. Em rápida análise, qual energia pode fazer melhor ao universo que a de um corpo que faz bem o seu trabalho? Pode-se discutir que alguns destes corpos ou desse trabalhos sejam caóticos, mas ainda assim, o universo não é ying e yang, como antigos perceberam há incontáveis milênios? Logo, a única energia realmente negativa provém da inação, que em nosso tempo, se apresenta em forma de submissão à sociedade de massas e sua intolerável boçalidade. Já houve outro demônio que excercesse seu domínio entre tantos, em simultâneo ?

Muito me alegra também saber que Larry David e Jerry Seinfeld fizeram seu trabalho bem a ponto de permitir que alguém nascido no Paraíso e residindo no planato tomasse a obra como paralelo para sua vida. Nada mais claro para demonstrar que apesar dos nosso azares, a sorte também sorri, e nos afasta de nos tornarmos Constanzas, destino ao qual a maioria, pela pequenez de espírito, também sucumbe. É difícil conhecermos almas dotadas de empatia, mas todos as havemos, e saber cultivá-las é que faz a diferença.

Segue trabalho inédito do Capitão São Paulo. Não imagino ninguém cuja opinião pudesse ser mais valiosa. Importante que saiba que,estou disposto e esperar o feedback tanto quanto necessário. Dias, meses ou anos. Temos tempo.

Asseguro tudo está sendo feito para dar vida ao Capitão, Gilson e Jimmy o mais breve possível. Acontecerá. Talvez em meses ou anos. O importante é que o comprometimento seja diário, como tem sido.

Como dizem mais ao leste de onde nascemos: "É nóis! "

L

15.1.11

Brasília, segundas impressões. E as praças

Aqui da minha nova janela se vê uma praça. Quando aluguei esse apartamento tive uma sensação ruim de estar alugando uma coisa brega e cara. Mas em Brasília tudo é muito: a gasolina, o aluguel, os imóveis, o supermercado, o almoço e o descaso. O preço aqui independe do bom gosto. Para um paulistano convicto, filho de um maluco que adorava levar o filho pequeno ao centrão e mostrar ao vivo toda aquela realidade "blade runner" da praça da república, Brasília causa um estranhamento. Ao contrário de São Paulo, Brasília não surgiu da economia, não evoluiu das fazendas de exportação de café. Foi evocada pela política, com muito cimento e nenhuma calçada. Pedestre aqui é barata. Uma das minhas neuroses desenvolvidas após os 34 anos é o medo de ser atropelado e ser obcecado por atravessar somente nas faixas de pedestre. Isso talvez explique o fato de eu ainda não ter visitado o memorial do Juscelino, aqui pertinho de casa. Tenho preguiça de pensar no caminho a seguir a pé e medo de pegar carrapato nos resquícios de cerrado que ainda sobrevivem no Sudoeste, a Barra de Brasília. É isso mesmo, o Sudoeste está pra a Asa Sul assim como Ipanema está para a Barra. E como a Barra Funda está para o Paraíso. E como o meu leitor está para quem implora pelo fim de analogias citadinas.

A praça do meu condomínio ainda é o que o mais me fascina. São Paulo não ajuda a incorporação das praças no imaginário. A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim só fariam sentido se fossem o mesmo cheiro de mijo, os mesmos canteiros toscos, o mesmos mendigos e o mesmo correio fechado com portas de aço rolante. A minha praça é a de Lages, em Santa Catarina, onde meu avô caminhava diariamente para encontrar seus pares e comprava o Estadão, que só chegava depois das três da tarde. No dia em que eu passei no vestibular ele desfilou aquele jornal até cansar. Justo, para isso servem as praças. Para encontrar os amigos, os vizinhos, conversar e sorrir. Quando anunciei que me mudaria pra o Sudoeste me alertaram: aí é lugar de madames e seus encontros de cachorrinhos de estimação. Talvez seja mesmo. Mas por enquanto estou gostando de ver a criançada brincando da janela. Fazem pouco barulho, como todo mundo em Brasília. Aqui o silêncio é mais valorizado. Um sonho que em São Paulo não existe mais. E as crianças, de longe, me dão uma paz duvidosa. Ao mesmo tempo que ajudam a esquecer a frustração de não ter tido filhos, também me lembram que criança de longe é uma delícia. Vai criar pra ver o que é bom. E aí me iludo achando que a minha vida é boa como está.

As praças de Brasília transcendem o conceito. Aqui dá pra ver o horizonte e tudo pode virar uma praça. Pena que num lugar que teve quatro governadores em seis meses fica óbvio o descaso. As gramas altas, o descuido com o lixo. Por mais lindo que seja ver o eixo monumental - essa foi a minha impressão ao visitar Brasília nos tempos de faculdade, num ônibus cheio de molecada chapada e curtindo a balada - agora como novo cidadão brasiliense, não posso deixar de ter uma certa raiva do Niemayer e Lúcio Costa. Estou determinado a ler mais sobre o assunto, tentar entender o que pensaram na época. Será que a empolgação do Juscelino com a indústria automobilística foi suficiente para convencê-los de que todo peão de obra teria um fusquinha em 2010? Nos primeiros dois meses por aqui estava sem carro e escrevi para o meu primo Edison: "Andar a pé em Brasília é como dirigir um Galaxy naqueles calçadões do centro de São Paulo. Pelo menos não dá multa. Ainda.".

Pensando bem, talvez eu esteja sendo injusto com os idealizadores de Brasília. Pensar uma cidade ampla, com espaço entre os prédios e as coisas longe umas das outras não é nada mal. Falta transporte público decente. É muito legal vir pra casa e ver um gramado sem fim dos dois lados da avenida. Especialmente pra mim que vivi num bairro onde cada centímetro era disputado a tapa. Já escrevi nesse blog a origem do meu ódio pelo barulho. Sempre houve uma obra por perto da minha casa, um barulho insuportável e um total desrespeito pelo descanso alheio. Mais legal ainda é pegar o carro e ir pra Goaiânia ou para Alto Paraíso, uma das cidades da Chapada dos Veadeiros. O GPS fica branco à esquerda e à direita. Totalmente vazio. Dá uma sensação maravilhosa, ver que o mundo ainda tem lugares vazios, a música da Terra ainda tem pausas.

PS1: Não tinha conseguido escrever nada desde que cheguei aqui. Esta postagem não está lá grande coisa, mas pelo menos saiu. O planalto central está começando a tomar conta de mim. Me lembrou do que a minha irmã me disse. Da importância de criar uma relação afetiva com tudo, com os lugares, com as pessoas, com as ruas, com as histórias. E com as praças, que espero nunca ver dar lugar aos arranha-céus.

PS2: Postagem em homenagem ao tio Bilo, uma das pessoas mais queridas que já conheci e que talvez não leia essa postagem hoje, mas certamente lerá em breve.