29.11.11

O sentido da vida

Algumas coisas que lemos nem são assim tão geniais, mas às vezes pelo próprio fato de óbvias e até então despercebidas serem, ficam marcadas para sempre. Minha vida nunca mais foi a mesma depois de ler um livrinho (livrinho por ser pequeno, não por ser ruim) do Rubem Alves chamado "O que é religião?". Não consigo fazer uma postagem do meu blog sem falar do meu pai e já desisti de tentar fazer diferente. Quando li este livro, ainda estava numa luta interna para tentar aceitar a religião dele, um pastor presbiteriano dedicado, genuinamente apaixonado e, acima de tudo, dono de uma fé autêntica, sincera e pródiga de resultados. Resultados práticos, sim senhor. Mais de uma vez o vi passar um dia terrível, cheio de problemas, fazer uma oração, virar para o lado e dormir como um anjo. Sua frase típica era: "O Senhor proverá, meu filho. O Senhor proverá.". O fato é que infelizmente nunca me convenci. Sempre achei a igreja presbiteriana um lugar agradável e lá me senti muito bem. Acredito que os valores cristãos que meu pai me passou contribuiram para me fazer uma pessoa legal e honesta hoje. Mas não acredito em Deus da maneira como formula a Bíblia cristã, nem como formula nenhuma outra religião. 

    A idéia do livro do Rubem Alves a que me refiro certamente não foi formulada por ele, algum ou alguns filósofos já deveriam ter o crédito. Se ele tem um grande mérito, é o de de escrever coisas supostamente complexas de uma maneira simples. Esse para mim é o segredo do grande professor e do grande escritor, um talento raro. Ele diz que a diferença entre os seres humanos e os animais, como já citei anteriormente neste blog, é que nós temos consciência da própria existência e, por isso, vivemos vinte e quatro horas por dia, ou melhor, vivemos algumas horas por dia, uns mais outros menos, em busca de prover água e comida para não morrer, e as demais buscando dar a esta existência algum sentido. O único e óbvio problema é que este sentido não existe. Aqui vou começar a minha pequena confissão pessoal. E isso me preocupa: se estou assim com 35 anos, morro de medo pensar no que me passará pela cabeça quando tiver 80. Antes que meus leitores, amigos e parentes (como se houvesse alguma diferença!) pensem que eu estou deprimido ou com pensamentos suicidas, já deixo de antemão o tranquilizante: não é o caso. Aliás, pelo contrário. Como disse antes, o que me preocupa é o que fazer com os cinquenta anos pela frente.

    Há algum tempo um certo paradoxo me persegue. Se buscar um sentido decente para a vida me faz inexoravelmente infeliz, para que serve buscar um sentido para a vida? Várias vezes me peguei desejando ser ignorante, sem educação, pobre de dinheiro e de espírito, ser capaz de passar duas noites seguidas bêbado numa micareta ouvindo Ivete e Chiclete no máximo volume, no meio de uma multidão ensandecida e voltar para casa feliz, realizado, pleno de sentido! Mas não, não pode. Minha mãe me falava ainda criança que sexo está "na cabeça". Meu pai lia Camões, José de Alencar e Machado de Assis para mim na cama. Me fizeram aprender, junto à saudosa Dona Marlene, a sonata em Dó Maior de Mozart no piano com doze anos. Tive que estudar nos melhores colégios de São Paulo para aprender a ter senso crítico e ler nas entrelinhas. Na verdade é um certo fardo. Ainda adolescente, já tinha plena consciência de que a galera do Edifício Ajaccio poderia até ser mais burra, mas certamente era mais feliz.  Depois dessa educação, tudo fica difícil.

    Certamente já estou parecendo pedante. Mas, tarde demais. A partir de agora só vai piorar. Fato é que o paradoxo também perpassa a economia e a política brasileira. Todos os dias me pego fascinado pela nossa atual pujança financeira. A brasileirada invadindo Miami, Buenos Aires, Paris, comprando tênis, Blue-Ray, camisa de grife. Acho lindo esse Brasil pós-Lula e pós-PT. Ninguém está preocupado com o sentido da vida. O negócio é aproveitar a expansão do crédito, fazer faculdade, virar doutor e vamos que vamos. Estamos rumo a uma nação feliz. Eu tento criticar, mas cada dia mais não consigo.

    O suprassumo do Brasil pós-Lula, para mim, é passar algumas horas no saguão de um aeroporto. Minha referência de viagem longa sempre foi a do terminal rodoviário Tietê, onde esperava o ônibus verde da Penha a caminho de Lages para visitar a vó Waltrud e vô Jadão, de saudosíssimas memórias. Hoje, para meu deleite, o padrão é o aeroporto de Congonhas e o JK. O que dizer? Talvez que a experiência me tenha feito criar o conceito de "pobre com dinheiro". Pessoas falando alto no celular, furando filas, atrasando os voos como se todo mundo tivesse a obrigação de esperar, enfim, um espetáculo circense de brasileiros para os quais o mundo atual faz todo o sentido. O melhor de tudo nos aeroportos, dizem que quem formulou foi o Antonio Prata. Pela genialidade deve ser. Quando um avião pousa e o comissário de bordo pede, sempre inutilmente, que todos os passageiros permaneçam sentados até a total frenagem da aeronave, a sensação que se tem é a de que estamos naquelas brincadeiras de acampamento em que o monitor diz: "Quem ficar sentado é BI-CHÁ!", e todo mundo levanta ao mesmo tempo. Como se não bastasse, todo mundo liga o celular. Eu não sou especialista em aviação mas, por um mínimo de bom senso, se a companhia aérea me pede para só ligá-lo no saguão, não vejo por que não fazê-lo. Quando um cidadão liga o celular assim que o avião pousa, tenho que me controlar muito para não perguntar: "Por gentileza, o senhor é o Ministro da Fazenda? É o presidente da Vale do Rio Doce?".

    Ainda nesta toada de pensar sobre o sentido da vida, preciso contar uma conversa que tive com a minha querida amiga Ju Buchaim. Velha colega de Colégio Bandeirantes, ela esteve em Brasília para um reunião no Banco Central e me ligou um pouco antes para a gente colocar o papo em dia. Duas coisas que nós conversamos vêm me martelando desde então. A primeira foi um comentário: "Eu acho o Facebook a coisa mais estúpida do mundo, mas não consigo deixar de entrar nessa desgraça de meia em meia hora". Em outro momento, enquanto nos inteirávamos sobre a situação dos amigos em comum, ela fez o seguinte comentário: "Estou preocupada com o [Eduardo] Bodra. Ela não se interessa mais pelas pessoas. Ele me disse um dia desses: 'Eu não tenho mais interesse pelas pessoas. Ninguém agrega nada'". Os dois comentários, aparentemente dispersos, me marcaram porque tenho pensado muito sobre isso também. O Facebook, entendido num sentido mais amplo, de democratização da informação, de liberdade de expressar opiniões, divulgar idéias, etc... realmente deveria ser uma coisa mais interessante do que é. Cada vez que entro no Facebook, me perdoem todos, acho as pessoas cada vez mais desinteressantes. E me solidarizo com meu amigo Eduardo Bodra  que, apesar da fachada durona, sempre foi um sensível e irônico filósofo na mesma busca  insensata pelo tal do sentido.

    Fato é que comigo existe alguma coisa extremamente errada ou extremamente certa. Todos os dias quando acordo (para citar o Renato, que era chato, afinal de contas estou em Brasília e passeio no Parque da Cidade, onde a Mônica ia de moto e o Eduardo de camelo), busco um sentido nas árvores e nos gramados da capital, nas músicas do Rush e do Milton Nascimento que ouço obsessivo em busca de inspiração, chego feliz ao prédio imponente do BC, onde me sinto acolhido e tento, sem muito sucesso, ter alguma idéia genial para revolucionar o monitoramento do risco de mercado nos bancos brasileiros. Não tenho mais grandes pretensões de carreira ou de sucesso financeiro. Sexo para mim não tem mais  do que 40% da importância de dez anos atrás. Tenho um certo senso de aposentado a trinta anos de me aposentar. Me lembro de um dos sermões do velho reverendo Roberto Lessa, em alguma igreja presbiteriana da periferia de São Paulo, onde ele dizia, inflamado, para uma audiência de no máximo vinte pessoas, que os valores do sucesso, do dinheiro e do poder eram prepoderantes nas "igrejas" atuais e explicava como isso não tinha nenhuma relação com o que Jesus havia pregado. Talvez o fantasma dele me persiga mais do que eu imagino. Talvez o meu ateísmo seja o Deus dele escrevendo certo por linhas tortas.