No último dia 23 de agosto fez
dois anos que estou em Brasília. Naquele fim de semana curti a seca do cerrado
como nunca. Curti a felicidade de acordar de manhã, fazer um café bem preto,
abrir a janela e ver as árvores desfolhadas, ao lado de outras meio cobertas,
no gramado amarelando da quadra 403 sul. Fiquei curtindo a natureza da janela,
fumando o primeiro cigarro do dia e amenizando a neurose nas primeiras
internetes. Uma pena se tratar de uma felicidade como toda felicidade (duram
algum tempo determinado). Mudar de cidade é uma decisão profunda. Pelo menos
para mim, muito antes de avaliar o acréscimo salarial, a qualidade do metrô, a
distância do trabalho ou o preço do IPVA, mudar de cidade implica estar
disposto a conhecer pessoas.
Quando
cheguei aqui esse negócio de pessoas estava em baixa na minha bolsa. Fui criado
por um pai que contava a seguinte história: no funeral de Dale Carnegie, autor
do best seller “Como fazer amigos e
influenciar pessoas”, apareceram dez. Nunca acreditei muito nisso, para ser sincero.
Mas como o mesmo pai citava, em italiano, “Si non è vero, è bene trovato” (Se
não é verdade, é muito bem sacado – como diria o Silvio Santos). O irmão dele,
meu tio Raul, tem entre suas frases favoritas a seguinte: “Quanto mais conheço
as pessoas, mais gosto dos animais”. Pois é. De lá pra cá meu espírito não
mudou muito. Me pego com frequência mais interessado nos documentários do
Animal Planet do Netflix do que nos filmes-pérola dos anos noventa.
Fiquei
especialmente fascinado por um vídeo dos macacos japoneses nas montanhas
nevadas. (Preferiria mudar de assunto para que nenhum leitor do blog cogite
minha internação numa clínica psiquiátrica, mas vamos lá). Uma pena o motivo
não ser a admiração pelos animais, mas a prosaica constatação de que quanto
mais próximo dos humanos, mais cruéis e políticos ficam também os bichos. Estes
distintos macaquinhos nipônicos tem o hábito de, no auge do inverno japonês,
abrigar-se nas deliciosas piscinas naturais de água quente que se formam perto
dos vulcões. O detalhe é que só os membros do clube tem acesso ao resort. Os
excluídos ficam olhando de longe, muitos morrem de frio.
O
fato é o seguinte. Todo mundo adora aquele discurso: “você tem que estar aberto
para conhecer pessoas”, “você tem que expandir seus horizontes”, e etecetera e
tal. Eu já acho um desperdício perder as pessoas com quem você passou vinte
anos, tem todas as piadas internas prontas. Desenvolver uma piada
interna é um processo trabalhoso. Chegar ao ponto de ter um amigo em cuja casa
se pode entrar, abrir a geladeira da esposa dele, pegar uma cerveja,
aboletar-se no sofá e não ter a obrigação de puxar assunto é um processo
hercúleo! Custa sim! Custa pra cacete! Recuso-me
a ser taxado de preguiçoso. (Obs: minha mãe me critica quando uso palavrões no
blog, mas depois de ver que Machado de Assis usou o cacete no Quincas Borba -
na verdade “cacête” - perdi o remorso).
O
mesmo Quincas Borba, aliás, colocou ainda mais lenha na minha fogueira da
insanidade (Nada mais justo, haja vista ser o personagem principal o Rubião). Diz
o Massaud Moisés em sua introdução ao livro: “Consequentemente, a obra toda é uma grande sátira da vida, de seus
ingredientes e de suas verdades. O matiz irônico reside no ser Quincas Borba uma
peça única de chacota à Humanidade desenfreadamente presa a certos dogmas de
superfície e incapaz de olhar mais a fundo no íntimo dos problemas. A ironia
atinge a todos, e só se salvam (caso o consigam), os loucos, os mansos e os
animais irracionais”. De fato, o único personagem sensível e confiável da
história é o Quincas Borba. O cachorro, obviamente, não o filósofo (se é que
não são a mesma pessoa - mas isso deliciosamente nunca saberemos, assim como o
adultério de Capitu). Li o livro errado na hora errada. Ou não, como diriam Gil
e Caetano balançando em suas redes.
Acredito
já ter falado sobre os estranhamentos do começo e sobre as vantagens e
desvantagens do confronto São Paulo X Brasília nas postagens anteriores. Então
vou adiante. Alguns detalhes vão te fazendo sentir mais brasiliense e menos
paulistano. Os primeiros são mais sutis. Perceber que já se vai à Taguatinga,
ao Guará ou às Águas Claras sem GPS. Depois já me pego falando de Goiânia,
Pirenópolis ou da Chapada como se fossem um Guarujá ou uma Ubatuba. Mas a mais
fatal, especialmente para um liberal convicto como eu, foi virar um paredista!
Grevista! Piqueteiro! É verdade. Fiz greve. Fiz com convicção. Fiz com a
certeza dos idealistas, aqueles que morrerão sem fazer a menor diferença no
destino do mundo.
A greve de um dia do Banco Central foi o
seguinte (tentarei contar a história sem que o leitor durma, ou desista do blog
e clique no link de uma promoção do GROUPON): estamos sem reposição de inflação
há quatro anos. Isso representa uma perda no poder de compra do salário de
aproximadamente 23%. Dilma nos ofereceu (a nós e a todos os servidores federais
em greve) 15%, parcelado em três anos. O SINAL, um dos sindicatos que
representa o Banco Central, agiu de maneira muito correta e íntegra, em minha
opinião, promovendo uma série de assembleias para que os servidores expusessem
sua opinião sobre o que fazer. Ao final da votação, os que se dispuseram a
comparecer à assembleia decidiram não aceitar a proposta do governo, ficar sem
aumento e jogar a negociação para o ano que vem. Eu votei pela aceitação da
proposta. Portanto, fui contrariado e acatei a vontade da maioria.
Tudo
muito bem, até que vem o ser humano. Fosse o Banco Central uma autarquia de
macacos, era bem capaz da negociação ser mais simples, e da inflação não estar
tão longe do centro da meta. Ao perceber que mais de 80% dos servidores
federais aceitaram os 15% e que ficaremos sem ver a cor do dinheiro por um bom
tempo, funcionários do Banco Central passaram um abaixo-assinado para tentar garantir
os famigerados 15%. “Que deselegante!”, diria Sandra Anemberg. Pra que
sindicato? Pra que assembleia democrática? Pra que discutir a corrupção dos
governos do PT? A líder do movimento até calculou a “perca” nos centavos, seis
mil novecentos e trinta e alguma coisa. Pô, bicho! Dá duas viagens pra Miami e
um Ipad!
Termino
essa postagem com uma confissão sincera. Eu, quando penso em política,
especialmente depois da sexta latinha de Heineken, também tenho meus arroubos
de Rubião. Sonho em fundar o Partido Liberal Brasileiro, uma agremiação
defensora do Estado laico, do casamento gay, do direito ao aborto, da redução
de impostos, do livre mercado e do Estado mínimo. Um grupo formado por honestos
engenheiros, diplomatas, bacharéis, na melhor forma de Muçuns e Tiões Macalés
(Não entendeu? Então clique urgente: http://www.youtube.com/watch?v=2NhvnXsCkJ8).
Me vejo discursando, com lágrimas nos olhos, para a população esperançosa
espalhada na Esplanada dos Ministérios. Mas eis que a sétima Heineken já começa
a dar azia e vem a hora de dormir. Se não consigo convencer os engenheiros, bacharéis
e diplomatas do Banco Central a votar uma proposta de reajuste salarial com um
mínimo de bom senso, quem sou eu para convencer a Dona Filomena, costureira da
Vila Ré, a não votar no Russomano? Queria mesmo é ser o cachorro dela, comer
minha ração e ficar sossegado no quintal.
8 comentários:
Good, as usual....
Utópico também.
Quando sonha em fundar um partido feito de pessoas honestas, etc, esquece-se do Dale Carneghie.
Não conseguirás mais de 100 filiados...
Melhor tomar a oitava latinha, ir para a cama, esquecer que seu salário não foi reajustado pela inflação e aproveitar a vida.
Porque o Russomano será eleito, ele é o Collor da vez.
Quando vejo o que a religião (no caso, os evangélicos) podem fazer,tenho cada vez mais convicção de que ter me tornado ateu, foi, com certeza, a mais sábia decisão da minha vida.
E la nave va...
Abraços, querido.
Good, as usual....
Utópico também.
Quando sonha em fundar um partido feito de pessoas honestas, etc, esquece-se do Dale Carneghie.
Não conseguirás mais de 100 filiados...
Melhor tomar a oitava latinha, ir para a cama, esquecer que seu salário não foi reajustado pela inflação e aproveitar a vida.
Porque o Russomano será eleito, ele é o Collor da vez.
Quando vejo o que a religião (no caso, os evangélicos) podem fazer,tenho cada vez mais convicção de que ter me tornado ateu, foi, com certeza, a mais sábia decisão da minha vida.
E la nave va...
Abraços, querido.
Good, as usual....
Utópico também.
Quando sonha em fundar um partido feito de pessoas honestas, etc, esquece-se do Dale Carneghie.
Não conseguirás mais de 100 filiados...
Melhor tomar a oitava latinha, ir para a cama, esquecer que seu salário não foi reajustado pela inflação e aproveitar a vida.
Porque o Russomano será eleito, ele é o Collor da vez.
Quando vejo o que a religião (no caso, os evangélicos) podem fazer,tenho cada vez mais convicção de que ter me tornado ateu, foi, com certeza, a mais sábia decisão da minha vida.
E la nave va...
Abraços, querido.
Mantenha seu sonho. É o que te faz especial!
Mantenha seu sonho. É o que te faz especial!
Muito bom! Eu posso representear os engenheiros e, caso não dê certo, pelo menos te ajudo com a cerveja. Abraços!
Semana passada estive aqui e não havia nada novo. Pensei "faz tempo que o Tai não escreve". Transmimento transatalântico.
1. Parabéns pelos dois anos de 'candanguice'.
2. Sempre tomei como a tradução da segunda parte do si non è vero por "é bem contado". Ledo engano? Uma tradução mais contemporânea, ou até mesmo de vanguarda, seria "a regra é bem cagada", confere? Me alongo...
3. Sílvio Santos diz(ia) "bem bolado", não? Mário César já chamaria a atenção para a questã do contexto.
3. 'Cacete' já deixou de ser palavrão há pelo menos meio século. Tivéreis utilizado 'caralha', baixado teria o calão.
4. Os macacos japoneses, ah, os macacos japoneses. Os vi pela primeira vez nas fabulosas cenas musicadas de Baraka. Grrannnde Baraka! Aliás, 20 anos depois, Ron Fricke acaba de lançar Samsara, filme pra ver no cinema, como diria o Sílvio: Não perrrrcam!
5. Capitu vadia.
6. Liberal convicto, vírgula! Ex-comunista, no máximo! Ainda assim re-reitero: tens meu voto! :)
Piadas internas dào muito trabalho... Adorei essa.
E topo fundar um partido, apestardes preferir juntar um grupo e apoiar algum candidato com chance de se eleger pela primeira vez
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