1.8.14

Brasília – Quartas impressões

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Há quase quatro anos, quando fui aprovado no concurso do Banco Central, fiquei ressabiado com a história de me mudar para Brasília.  A frase que mais me marcou, dentre todas as conversas que tive com todo mundo, foi da minha irmã: “Acho que você deve tentar criar uma relação afetiva com a cidade”. Confesso que não foi tarefa muito fácil, posto que a afetividade não é exatamente o forte desta terra, se é que é que o forte de alguma terra.
Confesso que estive a ponto de não aguentar mais. Sempre tive péssima impressão dos colegas que entraram comigo no concurso e, desde o primeiro dia, não fizeram outra coisa a não ser pressionar o Banco Central a acelerar a transferência para a cidade natal. Eu quis preservar uma certa obrigação moral de, pelo menos, tentar fazer o melhor onde eu estava. Dar uma chance para a nova casa e o novo trabalho que a vida me presenteara.
 Durante esse esforço, vivi o dilema de ter um ótimo trabalho, um ótimo salário, uma excelente qualidade de vida e, especialmente nos fins de semana, lidar com a solidão abissal brasiliense. Nunca tive problemas em relação a ficar sozinho. Na verdade sempre gostei. Não sou do tipo que namora por medo da ausência. Mas a falta dos meus amigos e da família, vira e mexe, mandava sua fatura. Se não tivesse conhecido a Vivi e aprendido, não sem certo sofrimento, que era possível amar de novo, e me sentir acolhido e cuidado, talvez não estivesse encarando mais uma seca aqui no cerrado.
Só sei que hoje, quando vou a São Paulo, acontece o que nunca achei que fosse acontecer. Me divirto muito, mas não sinto a menor vontade de me estabelecer. Exatamente a mesma sensação que tive quando fui a Nova Iorque, a Londres, a Buenos Aires e a Paris. Pretendo voltar a todas elas, todas as vezes que puder, mas não tenho a menor intenção de ali morar, jamais, de jeito nenhum.
Na verdade não. Existe uma diferença enorme. Existe uma relação afetiva imortal com São Paulo. Notei essa diferença nas últimas três viagens em que estive lá. Como estava com a Vivi, fiz um esforço extra para apresentá-la aos lugares históricos e ao maior número de amigos possível. Me auto-enganei achando que estava fazendo isso por ela, quando era óbvio que estava fazendo por mim. Muito mais do que resgatar minha relação afetiva com São Paulo, visita-la hoje significa fazer um turismo pelo meu passado. É o burocrata neoliberal bem-de-vida que sou hoje visitando o adolescente durango e petista que pegava o Butantã-USP todo dia às 6:30 da manhã.
Talvez eu não tenha sido tão desonesto. A Vivi certamente desconfiou do meu improvável ímpeto de virar o mais empolgado guia turístico da terra da garoa. Usando a desculpa de que as pizzas em Brasília são pavorosas (uma verdade inquestionável, diga-se de passagem) levei-a à cantina Speranza para comer uma pizza Marguerita (aquela que eles se recusam a fazer meio-a-meio). Longe de querer comprovar minha tese, o que eu queria mesmo era lembrar dos tempos em que ia lá com o papai e ele, invariavelmente, pedia o “maldito” espaguete à Putanesca, farto o bastante para me impedir de pedir a pizza Marguerita. O mesmo aconteceu, sem tirar nem pôr, no Sujinho e no Ponto Chic.
             Quando vou a São Paulo hoje, gosto de fazer as coisas que me aquecem o coração. Gosto de ver um show da Giana, passar pelo viaduto que levava ao Bandeirantes, comer um pãozinho com manteiga na padoca, me deliciar com a eficiência de todos os serviços e, acima de tudo, apreciar a delícia de, no domingo, por volta das nove da noite, pegar o voo da TAM ou da GOL de volta ao aeroporto Juscelino Kubitschek.