Há quase quatro anos, quando fui aprovado no concurso do
Banco Central, fiquei ressabiado com a história de me mudar para Brasília. A frase que mais me marcou, dentre todas as
conversas que tive com todo mundo, foi da minha irmã: “Acho que você deve
tentar criar uma relação afetiva com a cidade”. Confesso que não foi tarefa
muito fácil, posto que a afetividade não é exatamente o forte desta terra, se é
que é que o forte de alguma terra.
Confesso que estive a ponto de não aguentar mais. Sempre
tive péssima impressão dos colegas que entraram comigo no concurso e, desde o
primeiro dia, não fizeram outra coisa a não ser pressionar o Banco Central a
acelerar a transferência para a cidade natal. Eu quis preservar uma certa
obrigação moral de, pelo menos, tentar fazer o melhor onde eu estava. Dar uma
chance para a nova casa e o novo trabalho que a vida me presenteara.
Durante esse
esforço, vivi o dilema de ter um ótimo trabalho, um ótimo salário, uma
excelente qualidade de vida e, especialmente nos fins de semana, lidar com a
solidão abissal brasiliense. Nunca tive problemas em relação a ficar sozinho. Na verdade sempre gostei. Não sou do tipo que namora por medo da ausência. Mas
a falta dos meus amigos e da família, vira e mexe, mandava sua fatura. Se não
tivesse conhecido a Vivi e aprendido, não sem certo sofrimento, que era
possível amar de novo, e me sentir acolhido e cuidado, talvez não estivesse
encarando mais uma seca aqui no cerrado.
Só sei que hoje, quando vou a São Paulo, acontece o que
nunca achei que fosse acontecer. Me divirto muito, mas não sinto a menor
vontade de me estabelecer. Exatamente a mesma sensação que tive quando fui a
Nova Iorque, a Londres, a Buenos Aires e a Paris. Pretendo voltar a todas elas,
todas as vezes que puder, mas não tenho a menor intenção de ali morar, jamais,
de jeito nenhum.
Na verdade não. Existe uma diferença enorme. Existe uma
relação afetiva imortal com São Paulo. Notei essa diferença nas últimas três
viagens em que estive lá. Como estava com a Vivi, fiz um esforço extra para
apresentá-la aos lugares históricos e ao maior número de amigos possível. Me
auto-enganei achando que estava fazendo isso por ela, quando era óbvio que
estava fazendo por mim. Muito mais do que resgatar minha relação afetiva com
São Paulo, visita-la hoje significa fazer um turismo pelo meu passado. É o
burocrata neoliberal bem-de-vida que sou hoje visitando o adolescente durango e
petista que pegava o Butantã-USP todo dia às 6:30 da manhã.
Talvez eu não tenha sido tão desonesto. A Vivi certamente
desconfiou do meu improvável ímpeto de virar o mais empolgado guia turístico da
terra da garoa. Usando a desculpa de que as pizzas em Brasília são pavorosas
(uma verdade inquestionável, diga-se de passagem) levei-a à cantina Speranza
para comer uma pizza Marguerita (aquela que eles se recusam a fazer
meio-a-meio). Longe de querer comprovar minha tese, o que eu queria mesmo era
lembrar dos tempos em que ia lá com o papai e ele, invariavelmente, pedia o “maldito”
espaguete à Putanesca, farto o bastante para me impedir de pedir a pizza
Marguerita. O mesmo aconteceu, sem tirar nem pôr, no Sujinho e no Ponto Chic.
Quando vou a São Paulo hoje, gosto de fazer as
coisas que me aquecem o coração. Gosto de ver um show da Giana, passar pelo
viaduto que levava ao Bandeirantes, comer um pãozinho com manteiga na padoca,
me deliciar com a eficiência de todos os serviços e, acima de tudo, apreciar a
delícia de, no domingo, por volta das nove da noite, pegar o voo da TAM ou da GOL
de volta ao aeroporto Juscelino Kubitschek.
2 comentários:
O Iatã tarda, mas não falha. Mesmo ainda morando por essas bandas, sempre tenho essa mesma sensação, que você tão bem descreveu, quando levo alguém de fora para conhecer as coisinhas daqui. Tão perto, mas tão distante. E vice-versa.
Iatas, eu sou fã de carteirinha dos seus posts e posso lhe dizer que compartilho muito os seus sentimentos. Passei por algo similar aqui em Windsor, Capital automobilística do Canadá. Sofri e ainda sofro de uma nostalgia paulistana, gosto de de mostrar meus lugares favoritos ao marido e agora às crias, mas voltar a viver nesssa loucura, nem pensar.... Saudades suas, de tudo e de todos, mas eu também estabeleci uma relação afetiva com a minha atual terrinha que não pretendo trocar nem por Sampa, DC, ou Ottawa... Beijo grande e já a espera do proximo!
Postar um comentário