O Kiwi é o pássaro símbolo da Nova
Zelândia. Há, de fato, semelhanças entre os dois. O Kiwi
é uma mistura de galinha com porco espinho. Bonito, raro, sem asas e sem
maiores pretensões. Nunca vai atacar ninguém e nunca alçará voos panorâmicos.
Segue, porém, com sua vidinha muito bem vivida, de bem com a natureza e todos
os que o rodeiam. Assim são os neozelandeses: simpáticos, afáveis, carinhosos
até. Só ameaçam algumas bicadas quando se dirige sem o cinto de segurança,
quando se passa de 100 km/h e, principalmente, quando se tenta entrar com algum
alimento, semente ou animal estranho à ilha. As espécies estrangeiras que entraram
no passado já causam estrago suficiente.
Uma das primeiras e mais
divertidas coisas que aprendemos foi como falar inglês neozelandês. Para nossa
surpresa foi bem simples. Basta trocar qualquer, qualquer mesmo, som de “é”
pelo som de “ih” (o “ih” é o melhor que pude encontrar para descrever um som de
“i” meio alongadinho). Os exemplos são, em sua maioria, retirados das
(terríveis) rádios que fomos obrigados a
ouvir no carro ao longo de mais de 1500 Km percorridos em vinte dias. Portanto,
“Best price ever!” ficaria “Bihst price Ihhver!”. “Ihxecelent!”. “No Strihss!”. E assim por adiante. Antes que me esqueça, não poderia faltar o slogan pentelho
que martelava o tempo inteiro na rádio mais popular: “Mou Music! Lihss Talk!”
Ano passado, enquanto
planejávamos esta viagem com meses de antecedência (como um bom casal “wannabe”
de primeiro mundo), as discussões sobre as eleições presidenciais em grupos de
What's Up estavam bombando. Numa delas eu mencionei que viria passar férias na
Nova Zelândia no ano seguinte e, se Dilma vencesse, havia uma boa chance de eu
não voltar nunca mais. Um amigo petista ironizou minha decisão: “Vai morar num
lugar que tem mais ovelha do que gente?”. Naquele momento não respondi nada. Viajando
de carro do norte ao sul do país, eu não apenas comprovei que, de fato, há
muitas ovelhas por lá, mas percebi que a resposta era óbvia. Um país com mais
animais do que gente está fadado ao sucesso. Um dos guias turísticos locais
observou, no entanto, que o país enfrenta uma certa crise econômica:
antigamente havia cerca de dezesseis ovelhas por habitante. Hoje, apenas umas
oito. Não foi suficiente para afugentar o único casal de brasileiros que
encontramos na viagem. Bem mais jovens do que nós, entre as ovelhas declinantes
e a Dilma, eles optaram pelas ovelhas. Não pretendem voltar tão cedo.
Falar do desenvolvimento
da Nova Zelândia é chover no molhado, assim como choveu sem parar ao longo de
toda nossa viagem. Mesmo assim, há momentos em que a coisa fica meio
surrealista, especialmente para brasileiros. Enquanto fazíamos uma trilha de 20
Km, montanha acima e abaixo, no Parque Nacional de Tongariro (Quem me conhece
sabe que eu não tenho, nem de longe, nem depois de um ano de academia, preparo
físico para uma trilha desse tipo. A culpa foi minha que, mesmo após reiterados
alertas da minha noiva, a.k.a. The Trip
Advisor Girl, não fiz a devida revisão e crítica ao roteiro que ela
elaborou), o nosso guia me perguntou se a polícia no Brasil tinha autorização
para usar armas de fogo. O mesmo guia, ao perguntarmos sobre a corrupção dos
políticos neozelandeses, respondeu que “ela praticamente não existe”. Perguntei,
sem sucesso, se ele se lembrava de um caso para nos contar.
(Parêntese cultural: para quem gosta do
Senhor dos Anéis, esta trilha passa pelos cenários onde foram filmadas ou
inspiradas para digitalização as cenas do Mount Doom, o vulcão onde Frodo leva
o anel para ser destruído, e as montanhas negras de Isengaard, onde os Orcs forjavam
as armas antes da invadir Helm’s Deep no segundo filme da série)
Os
comentários surrealistas do simpático guia Jono me lembraram uma história,
acontecida com um tio meu, que meu pai adorava contar. Um dia meu tio estava
embarcando num avião na Suíça e sua mala passou do peso máximo permitido. Ele,
talvez meio sem querer, por mero hábito tupiniquim, fez um comentário do tipo:
“Puxa, mas não dá pra dar um jeitinho?”. Papai contava e repetia essa
história não pelo fato em si, mas pelo detalhe, que ele adorava: não é que a
funcionária suíça negou o pedido. Ela simplesmente não entendeu o que ele
estava pedindo. O conceito de “dar um jeitinho” não faz parte do universo
cognitivo de um cidadão da Suíça.
Nosso
guia vive num universo parecido. Coisas como ausência de Estado, violência
generalizada e corrupção endêmica não lhe pareciam muito familiares. Quando contei
que a polícia do Rio de Janeiro andava armada e isso não era suficiente, já que
os traficantes tinham armas a que nem o exército brasileiro tinha acesso,
quando passei um singelo resumo sobre o que era a periferia de São Paulo, os
morros do Rio e os sertões brasileiros, ele me olhou com olhos arregalados e disse
um sonoro: “Oh…! Really?”.
Meu
atual estado de espírito em relação ao Brasil pode ser resumido pelo fato de eu
fiquei dois dias de cama, em depressão profunda, depois que o PT venceu as
últimas eleições. Sinceramente, não tenho mais o menor pudor de assumir meu
direitismo, minha desilusão com a bobajada esquerdista e politicamente correta que
me enfiaram goela abaixo durante toda minha vida escolar e universitária, e dizer
que desisti de ter esperança. Justamente por isso, decidi evitar nesse texto
qualquer tentativa de sociologia de botequim que tente explicar o que é que o
Kiwi tem e a Baiana não tem…
Prefiro
me ater aos fatos. Existe uma coisa nos neozelandeses que transcende a crítica
Edmottiana (com a qual concordo plenamente), esse saco cheio com o brasileiro
simplório e grosseiro vis a vis a admiração pelo estrangeiro refinado. Os kiwis
são mais que educados, são comoventes.
Existe neles uma mistura admirável da eficiência e frieza inglesas na gestão do
trabalho e da economia com um aconchego, um carinho caipira, uma candura que
parece fluir direto das pastagens de ovelhas e das montanhas nevadas.
Imagine
que você está parado numa mesa desconconfortabilíssima de um Mac’Donalds,
cansado, depois de vinte dias de viagem, carregando três malas velhas e pesadas,
a caminho de um trem que vai iniciar uma longa, muito longa, jornada de volta
pra casa, do outro lado do mundo. Meu mau humor era contagiante, óbvio,
agressivo. Ao meu lado, um velhinho neozelandês lia o jornal. De repente ele
levanta, naturalmente, chega ao meu lado e diz: “Would you like to take a look
at the paper?”. Fiquei tão comovido com tamanha educação que sorri de orelha a
orelha. Ele perguntou se nós estávamos de férias. Quando falei que era brasileiro,
ele fez os tradicionais elogios ao Pelé e ao Neymar, desejou boa viagem e se
foi, mancando devagar.
Cenas
como essa se repetiram ao longo de toda viagem. Pessoas dando bom dia na rua. Sorrisos gratuitos. Quando chegávamos aos motéis das cidades do
interior, os donos sempre nos ofereciam um “fresh, creamy, farmy milk” antes de
dar as chaves do quarto. Eu dizia pra Vivi que aquilo parecia a história do meu
sobrinho Matheus. Um dia minha cunhada Carol falou pra ele: “Filho, você não
vai comer esse pão que a mamãe fez com tanto carinho?”. No dia seguinte, no
café da manhã, ela perguntou: “Matheus, o que você quer comer?”. Ele respondeu
que queria pão com carinho. É mais ou menos isso que eu quero explicar: um
check out estendido e um quarto com mais canais de TV a cabo estão para um pão
com geleia assim como um um “fresh, creamy, farmy milk” está para um pão com
carinho.
Essa minha percepção ficou ainda mais
evidente quando pegamos um ônibus turístico em Queenstown para visitar os
fiordes. A viagem era meio longa e, na volta, o motorista-guia colocou um DVD
do filme “The World’s Fastest Indian” (http://www.imdb.com/title/tt0412080/). A
história em si não é nada de mais, um senhor neozelandês que vai aos EUA tentar bater um recorde de velocidade com sua moto. O velho enredo Disney de um personagem
desacreditado que chega à glória no final, com aplausos ao espírito
de superação e blá blá blá. Mas a interpretação de um ator monstro como Anthony
Hopkins dá a exata medida de como seria um neozelandês nos EUA. Ele era tão
simples, tão delicado, que as pessoas achavam que ele estava de sacanagem. Isso
é, de longe, a melhor coisa do filme. Dali do ônibus, depois de dezenove dias de Nova Zelândia, o filme ficou incrivelmente verossímil, e mil vezes mais engraçado.
Voltar
ao Brasil, por sua vez, é a velha história do Tom Jobim, de Nova Iorque é uma
merda e tal e vice-versa. Nada a acrescentar. Meu amor pelo Brasil é grande e
eterno, mas o desânimo também aumenta a cada dia. Se não consigo passar um dia
de férias sem ter saudade de um arroz com feijão e de um joguinho do Curinthia,
passo mal ao voltar, pegar um táxi para ir ao dentista e ver o cara atravessar
a faixa de pedestre à toda, enquanto um menino Down atravessava com
dificuldade, acenando desesperadamente com os braços pra ele desacelerar (Isso aconteceu hoje, horas antes de escrever esse texto). Vou
seguir sonhando com Kiwis e Baianas. Os Kiwis estão à beira da extinção.
Vejamos o que será das baianas.