Essa semana conversei com meus amigos de colégio no
whatsapp. Um dos assuntos foi o show do Justin Bieber. Tenho quarenta anos.
Portanto, é razoável ter amigos com filhos em idade de Justin Bieber. O assunto
girava desde a logística envolvida no transporte de um filho a um show deste
porte com segurança até a relevância cultural de fazer isso em meio a outras
opções mais esquerdetes e politicamente corretetes. Tentei me envolver o mínimo
possível, mas o dia laboral estava especialmente entediante. Acabei sendo
sacaneado, sofrendo bulivs. Afinal, segundo meus amigos, eu, se um dia filhos
tiver, serei obrigado a levá-los aos shows dos Biebers de andador ou cadeira de
rodas.
Ganhei um consolo parcial hoje à tarde, conversando com um
pai em começo de carreira durante a festinha de dois anos da Sosô, filha dos
meus padrinhos de casamento. Depois de contar a história do primeiro parágrafo,
ele ponderou algo provavelmente muito verdadeiro: a energia para este tipo de
empreitada, quando o filho é seu, tende a ser muito maior.
Decidi projetar minha carreira de pai. Imagino um dia, uma
sexta-feira, eu cansado da semana de trabalho, chegando em casa com enxaqueca,
como de costume, encarando um filho, ou dois, ou duas filhas, arrumadas e
maquiadas, prontas para uma fila quilométrica, uma desorganização típica
tupiniquim, uma multidão mijenta e adolescentes histéricas. O que – o que, meu
Deus! –me faria encontrar motivação numa hora dessas?
Seria obrigado a voltar ao passado e pensar: quais
celebridades influenciaram minha vida? Quais me fariam voltar ao passado e
levar, feliz, mesmo no andador, uma filha ao show do Justin Bieber?
Celebridade de
número 1 – Walter Casagrande Júnior
Compreendo, até acho justo, a maior parte dos brasileiros considerar
o Casagrande apenas mais um bom jogador de futebol. Ele pode não ter sido um
Tostão, um Ronaldo, um Romário, um Careca. Camisas nove do Corinthians muito
piores ganharam títulos mais importantes. Mas nenhum jogador do Timão teve
maior influência na minha decisão. Casagrande foi o cara enviado pelo
Todo-Poderoso para entrar no apartamentinho do pequeno Iatã e dizer: mano, você
será Curinthia para sempre.
Impossível lembrar a ordem das coisas. Só posso descrever
os flashes de memória da infância, no começo dos anos oitenta. Um dia meu pai
me levou ao Pacaembu pela primeira vez. Era um dia de semana, ele tinha acabado
de sair do trabalho. Chegamos no segundo tempo de um Corinthians e XV de Jaú.
Papai me levava pela mão em direção ao Tobogã: vamos ver o Doutor, o Zenon, o
Vladimir e o Casão, meu filho!
Na mesma época, minha família tinha uma funcionária
doméstica chamada Didi. Didi era perdidamente apaixonada pelo Casagrande e
tinha um pôster dele bem grande no quarto, pertinho da TV branco e preto,
aquele benefício trabalhista que as famílias de esquerda concediam aos criados
nos bons e velhos anos oitenta. Minha memória é clara e escrachada: eu sempre
saía da sala onde meu pai estava vendo os jogos do Timão na TV a cores para
assistir aos jogos no quarto da Didi. Óbvio, era muito mais legal. O máximo que
meu pai concedia era um “gol”, sem acento de exclamação, meio muxoxado, uma
animação cansada de velho. No quarto da Didi a coisa era diferente. Minha área
de serviço virava o setor laranja, mano. Na TV branco e preto nunca dava pra
saber quem era Corinthians, quem era XV
de Piracicaba ou o Comercial de Ribeirão Preto. Eu só sabia quando era gol
quando a Didi distinguia a cabeleira do Casão e saía surtada gritando: “É
Goooooool! É Goooool do meu gato Casagrande!”.
Eu estava no Pacaembu no dia em que a Fiel gritou: "Volta, Casão, seu lugar é no Timão".
Celebridade de
número 2 – Gene Wilder
Um dia eu estava a caminho do trabalho ouvindo a rádio CBN.
No dia anterior Ronald Golias tinha morrido. Era a hora do “Liberdade de
expressão”, com o Cony e o Artur Xexéo. O Cony falou uma coisa muito
interessante, nunca mais esqueci. Ele explicou a diferença entre um comediante
e um cômico. O comediante, dizia ele, é um ator interpretando um texto
supostamente engraçado. Um cômico é engraçado sozinho, não precisa de texto.
Basta ser um Ronald Golias, um Zacarias,
um Didi com peruca de Maria Bethânia. Pois é. Meu cômico favorito se foi
recentemente. Gene Wilder, o Willy Wonka, da fantástica fábrica de chocolate.
Ronald Golias demonstra, magistralmente, a diferença entre um comediante e um cômico.
No começo dos anos oitenta não havia internet, youtube,
google, nada disso. Gene Wilder entrou na minha vida através das sessões da
Tarde da Globo e de um amigo do prédio que gravava o filme em VHS e me chamava
para assistir ao filme na casa dele. Devo ter assistido ao “Willy Wonka and the
Chocolate Factory”, da infância até hoje, por baixo, umas cinquenta vezes.
Pouquíssimo filmes impactaram e influenciaram tanto a minha vida. Durante a
infância, posso dizer que foi o único.
O delicioso mundo misterioso do Willie Wonka de Gene Wilder
Meu fascínio pelo Willie Wonka de Gene Wilder era fruto do
mistério. Aquele personagem meio louco, às vezes bonzinho, às vezes meio agressivo,
com roupas excêntricas, liderando anões misteriosos de cabelo verde. Depois da
morte de Gene, comecei a fuçar algumas coisas sobre ele na internet. Encontrei
uma entrevista dele um “talk show” da TV americana onde ele diz que o filme não
foi um sucesso comercial nos EUA. Ele explica: as crianças gostavam do meu
personagem. Quem não gostava eram as mães.
As crianças (como eu) adoram o Willie Wonka de Gene Wilder. As mães, nem tanto...
O tempo passou, fui ficando mais velho, passei da infância
para a adolescência, e eis que Gene Wilder continuou a me ensinar as coisas
mais importantes da vida. Para fazer a cena de um médico atendendo um Armênio
apaixonado por uma ovelha, Woody Allen não poderia contar com nenhum ator. Nem
o maior comediante do mundo bastaria. Apenas um cômico como Gene Wilder poderia
fazer alguém gargalhar numa cena em que ele fica em silêncio (eu cronometrei)
por mais de dez segundos.
Celebridade de número 3 – Neil Peart
Neil Peart é o baterista da minha banda favorita, o Rush.
Meu primeiro contato com a banda foi num dia na casa da minha amiga Giana. O
irmão dela tinha um vinil do álbum “Presto”, do Rush de 1989. Isso deve ter
acontecido lá por 1992 ou 1993... Hoje a Giana é uma das melhores cantoras da MPB brasileira.
O rock nunca foi muito a praia dela.
Mesmo assim, nunca esqueci dela batendo as mãozinhas na cama, tentando me
mostrar as conduções diferentes que Neil fazia dentro da mesma música, sua
criatividade e sensibilidade.
O Rush começou em 1976, o ano em que eu nasci. Eles fizeram
a turnê comemorativa de quarenta anos este ano e eu ganhei da minha esposa, no
meu aniversário de quarenta anos, o DVD deste show com um bilhete: “Nenhum
outro presente no mundo teria mais a sua cara do que este”. Fiquei feliz duas
vezes: por ter uma esposa que me conhece tão bem e por perceber que ainda
existe uma banda capaz de me fazer sentir como um adolescente doente pelas suas
celebridades.
Só tem um detalhe. Neil Peart é provavelmente o único astro
do rock mundial a odiar ser uma celebridade. Ele é ao autor da grande maioria
das letras das músicas da banda. Em uma delas, “Limelight”, o recado fica
claro: “I can`t pretend a stranger is a long-awaited friend”. Além disso, na
minha modesta interpretação, Neil tenta mostrar o quanto é ridículo se achar
superior aos outros pelo simples fato de estar num palco. Enfim, uma
anticelebridade por excelência.
Living on a lighted stage
Approaches the unreal
For those who think and feel
In touch with some reality
Beyond the gilded cage
Cast in this unlikely role
Ill-equipped to act
With insufficient tact
One must put up barriers
To keep oneself intact
Living in the limelight
The universal dream
For those who wish to seem
Those who wish to be
Must put aside the alienation
Get on with the fascination
The real relation
The underlying theme
Living in a fish eye lens
Caught in the camera eye
I have no heart to lie
I can't pretend a stranger
Is a long-awaited friend
All the world's indeed a stage
And we are merely players
Performers and portrayers
Each another's audience
Outside the gilded cage
Living in the limelight
The universal dream
For those who wish to seem
Those who wish to be
Must put aside the alienation
Get on with the fascination
The real relation
The underlying theme
Living in the limelight
The universal dream
For those who wish to seem
Those who wish to be
Must put aside the alienation
Get on with the fascination
The real relation
The underlying theme
The real relation
The underlying theme
Conclusão
Se um dia filhos tiver, não faço a menor ideia do que direi
sobre celebridades. Provavelmente não será algo ao meu alcance. Caso algum dia
eles perguntem quais são minhas celebridades preferidas, eu talvez tente
resgatar esse texto em alguma nuvem futurística. Se não for possível, deixarei estar.
Eles que escutem seus corações.