15.1.16

Brasília - Quintas Impressões


         Quando uma série de crônicas sobre uma mudança de cidade chega à sua quinta edição, está na hora de parar de falar sobre descobertas e começar a falar sobre a alma da cidade. Hoje sou um paulistano adaptado a Brasília. Já descobri duas pizzarias aceitáveis, um restaurante japonês digno de estar na Liberdade e uma padaria que, apesar de não servir uma média com pão na chapa perfeita em menos de dois minutos, ao menos tem a dignidade de servir um “pão de sal”- é como chamam o pão francês por aqui – minimamente decente. 

            Sempre me cobrei, e ainda me cobro, uma leitura mais apurada, uma pesquisa séria, sobre Niemeyer e Lúcio Costa. Nunca entendi direito essa história do Niemeyer ser comunista. Brasília é a cidade mais elitista possível. O plano piloto faz total juz ao apelido de “Ilha da Fantasia”. Imagine você, leitor de qualquer outra cidade, o que é uma cidade inteira sem calçada. Mais de cinco anos depois da mudança, continua sendo algo surrealista para mim.

            Recentemente, há menos de três meses, eu e minha esposa nos mudamos para o Noroeste, o bairro novo e ecológico de Brasília. O pessoal desmatou alguns hectares de cerrado, expulsou um ou outro índio maluco, mas o bairro é ecológico. Tem até vaga especial para carros com baixa emissão de carbono. Para chegar aqui, vindo do centro de Brasília, onde nós trabalhamos, é preciso pegar o famoso “Eixão”, aquela avenidona que singra as asas do avião. Cobre toda a asa norte e a asa sul.

            Passar todo o dia por essa avenida é como jogar videogame do Atari na vida real. Vira e mexe aparece um sapo, um space invader, um pitfall. Supostamente a velocidade máxima da via é 80 Km/H. Mas experimente trafegar nessa velocidade e veja as emoções que o esperam. Tem também um bônus: um ciclista na contramão ou um carro encostando pra conversar com uma mulher de vida fácil. Tem de tudo. Tudo sem acostamento, sem calçadas e sem passarelas.

            Alguém poderia pensar que Brasília é uma cidade onde, pelo menos, se aprende com os erros. Uma pena. Além da política econômica, onde nosso querido Guido seguiu a cartilha do Delfim, outros erros insistem em nos assombrar. Aqui no Noroeste, bairro novo e planejado, também não existem calçadas. Nossa faxineira espera o ônibus em cima do entulho e Deus sabe como chega aqui. O planejamento urbano comunista fez escola. Esses são os problemas de quem vive aqui na ilha da fantasia e – é sempre bom lembrar – de quem é obrigado a vir à ilha da fantasia todos os dias para trabalhar e sobreviver.

            Brasília também é uma ilha da fantasia fiscal. Não importa a inflação de dois dígitos, muito além da meta, não importa o déficit das contas públicas, não importa a recessão: eu, funcionário público federal concursado, tenho o meu aumento de salário garantido pelos próximos quatro anos. Agradeço imensamente a você, que votou nesse governo. Terei um pouco mais de dinheiro para pagar a conta de luz, que aumentou 51%, e a gasolina, que aumentou sei lá quanto. Eu brinco com meus amigos esquerdistas que, se eu votasse pensando só em mim, teria votado na Dilma tranquilamente. Eu ainda opto por ter um mínimo de vergonha na cara. Minha faxineira, que espera o ônibus em cima do entulho, não vai ter a opção de rir a respeito e fazer ironia num blog.

            Quando eu passo pela ponte que dá vista à Esplanada dos Ministérios, num dia de sol, 90 por cento dos dias de Brasília, vejo uma coisa absolutamente linda, uma obra de arte inexplicável, emocionante , feita por um artista como Oscar Niemeyer. Infelizmente ele, e Chico, e tantos outros artistas geniais brasileiros não tiveram a infelicidade de ser um técnico burocrata do governo federal como eu e ter a dimensão da quantidade de merda que se faz dentro daqueles prédios.

            Se ilude quem acha que Brasília é um Olimpo isolado da realidade dos reles mortais. Brasília é a cara escarrada do Brasil, sem tirar nem pôr, com todas as suas qualidades e defeitos. A ditadura militar e a dinastia petista de 16 anos criaram exatamente a mesma coisa por aqui: uma burocracia enriquecida – da qual eu infelizmente hoje faço parte – cercada de miséria por todos os lados.

            Lamentavelmente, eu trouxe a tecnologia da elite branca paulistana para Brasília. Mudei-me para um condomínio com mais porteiros, mais garagens, mais seguranças, mais elevadores e mais senhas na porta de casa. Peço desculpas sinceras. Continuamos aqui, sonhando com as portas abertas de Niemeyer, mas dormindo com portas trancadas – como diria Caetano, exaltando os índios - pela mais avançada da mais avançada das tecnologias.

           
           

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom, meu caro Thailãn. Um dia desses preciso tomar vergonha na cara e conhecer a capital do meu país de origem. Agora só falta entender por que caralhos a gasosa segue subindo enquanto o petróleo segue despencando, prãfesssárrr!