Sei que de arranjo em arranjo tive
tudo o que quis. Nunca fomos ricaços, mas não posso reclamar de nada. O Atari
um dia chegou, chegou também a bicicleta Caloi Cross, chegaram os computadores
de Nerd dos anos 90 (o TK-95, o Hotbit), papai pode descansar tranquilo em bom
lugar, um querido, sempre se esfalfou para dar tudo o que esse mimado cronista
poderia querer.
Ser louco por videogames sempre foi
algo a ser escondido. Ser Nerd era meio bizarro. O “Big Bang Theory” estava
longe de existir. Os anos 80 e 90 foram difíceis para nós, podem acreditar.
Registradas essas reminiscências pequeno burguesas, peço licença para falar
sobre o impacto dessa ignorância sobre a economia brasileira.
A economia brasileira continua, em
pleno 2016, baseada na produção e exportação de produtos agrícolas e
industriais de qualidade duvidosa, dependentes de um câmbio e taxas Selic
favoráveis. Não vou me estender no assunto por absoluta falta de conhecimento
sobre o tema. Mas, só como exercício de pensamento, eu proponho: quantos
videogames nós produzimos nos últimos anos? Quantos filmes? (Ah, desculpem! “Os
Dez Mandamentos” deve bombar esse ano!) Quantos aplicativos de celular? Quantas
soluções de eficiência empresarial?
Durante as últimas quatro eleições,
quando eu tentava discutir com alguém que vota no PT, a discussão sempre
acabava (quando travada com pessoas honestas) num impasse do tipo: “Mas os
outros partidos também são corruptos, pelo menos o PT garantiu a diminuição da
pobreza”. O meu argumento, sempre esquecido ao vento era: a corrupção é, de longe,
o menor dos problemas do PT. O problema mais sério é não enxergar o horizonte,
saber que exportar videogames, por
exemplo, seria mais interessante do que exportar soja. Esse é um entre 18.764 argumentos que eu
poderia dar na mesma linha.
Lá pelo anos de 2004 e 2005, tive a
oportunidade de trabalhar com meu amigo Ricardo Mendes numa consultoria de
assuntos internacionais. Nesse período, fizemos alguns trabalhos sobre o setor
de serviços. Se pararmos pra pensar sobre a importância do setor de serviços na
economia mundial, em comparação à importância da indústria e da agricultura,
não é necessário muito esforço para perceber que ele deveria ter sido
prioritário.
Minha mãe e minha irmã sempre
criticaram minha devoção ao videogame com aqueles argumentos típicos de quem
jamais encostou num joystick. Perda de tempo, coisa inútil, como uma pessoa
inteligente como você pode passar tanto tempo dedicado a isso? Eu respondi
defensivamente com um desafio: “Se vocês me explicarem qual é a diferença, em
termos de perda de tempo e utilidade, entre passar três horas jogando videogame
e passar três horas vendo novela, vendo um filme no cinema, ou batendo papo no
bar com os amigos, eu desligo o PlayStation agora”. Elas nunca me responderam,
mas eu vou ser chato a ponto de tentar.
Deve ter sido lá por 2011. A revista
“Economist” fez uma matéria especial, de mais de dez páginas, sobre a indústria
de videogames no mundo. Vários fatos interessantes. Naquele ano, os jogos de
maior sucesso haviam gerado mais receita, de longe, do que os mais bem
sucedidos filmes de Hollywood. Também provaram estatisticamente a bobagem do
senso comum de achar que videogame é coisa de criança (provavelmente estúpida)
do sexo masculino. A quantidade de mulheres consumidoras de games era enorme,
assim como os homens entre 30 e 40 anos como eu, muito precisamente apelidados
na matéria de “The Atari Generation”.
Outro equívoco típico de quem não
vive nesse mundinho é achar que os jogos de hoje são limitados e baseados na
velocidade de reação, dos reflexos, como antigamente. As mães do mundo
continuam achando que estamos desviando a esmo o avião do River Raid ou pulando
alucinadamente como Mário Bros no tempo do 2D. Não é de hoje que os jogos são
muito mais complexos e interessantes. Envolvem um nível alto de raciocínio e
pensamento estratégico. Não existe mais a ideia de passar de fase como
antigamente. Os jogos são um mundo virtual. Hoje passar de fase é um mundo
aberto de possibilidades, um desafio permanente para a criatividade.
Terminar um jogo hoje também é
bastante diferente. Não se resume ao Mário Bros pulando em cima do dragão e
salvando a princesinha loira. Além de alguns meses de dedicação e esforço, o
final de um jogo de videogame quase sempre vem acompanhado de alguns minutos,
muitos minutos na verdade, de créditos.
Diretores de arte, desenhistas, técnicos de voz, diversos tipos de programadores,
atores, músicos, enfim, uma infinidade de profissionais cujos nomes de profissão o
Brasil provavelmente nem sabe classificar na RAIS.
Quem é alucinado por games como eu, vê esses créditos e
pensa: “Vocês são foda. Eu faço questão de comprar o jogo original para
garantir que vocês continuem empregados”. Infelizmente estão todos empregados no Canadá, na Índia, na China, no Japão, na Nova Zelândia. Mas se você faz parte da maioria da
população que não está nem aí pra videogames, pelo menos tente pensar que, se
houvesse uma indústria como essa no Brasil, teríamos menos gente cortando cana,
desmatando floresta e plantando soja. Ou, mais provável, não teríamos 1.500.000 pessoas a menos com carteira assinada em 2016.
“O Itamaraty apostou numa política de informática
absolutamente estúpida. O Brasil é contra a inclusão de serviços no GATS,
ignorando que, fatalmente, os serviços se equipararão aos bens comerciais e
talvez os superarão como percentagem do comércio internacional, de modo que a
gente tem é que ingressar no disciplinamento dessas atividades como parte do
contexto internacional. Se não, os serviços acabam sendo regulamentados sem
nós. Então, fizemos todas as apostas erradas”.
Roberto Campos - Programa Roda Viva - TV Cultura - 1991 (25 anos antes desta crônica)
Um comentário:
Não sou dos aficionados em vídeo games, embora já tenha arriscado algumas vezes, sempre com grande insucesso. Bom, talvez daí venha o meu desinteresse. Somos mais ou menos da mesma geração, só que nasci uns 10 anos antes, ou seja, quando começaram a aparecer esses joguinhos para mim era apenas uma curiosidade, já tinha outros interesses. Mesmo sendo um pouco nerd também.
Claro, seu post não é sobre vídeo games (Lua, Lua, Lua, Lua, meu canto não tem nada ver com a Lua), e sua colocação é perfeita. Apesar de entender nosso potencial econômico na agricultura e construção civil - fundamentais para gerar empregos, inclusive o meu - nós realmente descuidamos da tecnologia. Poderíamos estar muito mais adiantados e independentes.
Parte da culpa é a malfadada reserva de mercado que imperou nos anos 80, mas isso já faz tanto tempo que já dava para ter revertido o jogo. Nossos esparsos destaques nessa área ou atuam no exterior ou são apenas exceções.
Uma pena, potencial criativo para isso nós temos.
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