Certa
vez li um artigo do Antônio Prata na Folha onde ele contava uma experiência
vivida na faculdade. Se não me falha a memória, ele também estudou na PUC-SP,
como eu. Creio que depois de mim, mas não tenho certeza. Pouco importa. O
cenário era o mesmo. Segundo o cronista, seus colegas um dia se revoltaram com
a inoperância dos ventiladores da classe durante um verão mais cruel do que a
média. Mobilizaram-se, fizeram abaixo assinado e coisa e tal. Um dos
piqueteiros teve a brilhante ideia de pedir apoio ao Centro Acadêmico local. No
dia da entrega do manifesto, chegaram com um certo plus a mais. Além da demanda
pelo conserto do ventilador, pediam o fim do PROER, o boicote ao Plano Real e o
Fora FHC. Devo ter distorcido bastante a história, mas lhes asseguro, era algo
nessa linha.
Minha identificação foi imediata.
Lembrei dos meus tempos de Relações Internacionais na PUC-SP. Em 1996 o Cento
Acadêmico de Ciências Sociais era dominado pela esquerda militante fora-FHC. Um
dia perguntei a uma das “membras” do CA, minha amicíssima e ex-colega de
escola, por que eles nunca organizavam
seminários, palestras, congressos estudantis, cervejadas, sei lá, uma coisa
assim... “acadêmica”? Recebi a resposta na lata: “Não tem tempo pra isso aqui,
Iatã. Isso aqui é um espaço de luta!”.
Pois é. Eu ainda era jovem. Ainda
era, nas palavras do mesmo Antônio Prata, “meio intelectual, meio de esquerda”,
achei aquilo meio incômodo, mas não me revoltei. Jamais imaginei aquele
microcosmos tosco da rua Monte Alegre se proliferando por um país inteiro.
Alguém notou que faz mais de duas
semanas que o Zika vírus não aparece em nenhuma capa de jornal? Enquanto durar
nosso UFC Fighting Político – e ele vai durar muito – ninguém vai se lembrar de
consertar o ventilador da PUC-SP, ou melhor, ninguém vai se preocupar com a
segurança pública, com os milhões de desempregados, a política externa, enfim,
a lista é longa, enfadonha e triste. Todos os ventiladores do Brasil permanecerão
desligados enquanto o STF faz sua Páscoa estendida e enquanto todos os poderes
brasileiros estendem suas decisões de acordo com o devido processo legal.
Desenvolvi o hábito salutar de rir
da minha própria ingenuidade. Há pouco tempo, talvez dois ou três anos, tirei
umas deliciosas férias com minha irmã, meu cunhado e meus sobrinhos numa praia
mais isolada em Alagoas. Levei aquele livrão do Mario Sergio Conti, “Notícias
do Planalto”. Depois de devorá-lo bem devagar, ao som das ondas e à sombra das
palmeiras, filosofei de botequim: “Jamais terei paciência para passar por isso
de novo”. De fato não tenho. Vivo hoje sem ter pra onde ir. Estou num programa
do Silvio Santos: “Vai pra lá! Vai pra cá! Mas... Eu não sei!”.
Quantos caos institucionais um brasileiro
é capaz de suportar? Eu confesso não conseguir mais suportar o segundo. Aliás,
segundo é arredondamento. Tenho quase quarenta anos. Encarei Figueiredo, Sarney
e Collor. A crueldade maior, quando me comparo com meu pai e todos os meus
antepassados é constatar que eles, pelo menos, não viveram o morde e assopra.
Eles sempre viveram na esbórnia. Nós tivemos o gostinho etéreo,
alguns aninhos de inflação baixa, responsabilidade fiscal, sonho de
planejamento a longo prazo, ensaio de inserção no comércio internacional.
Depois veio nosso maestro soberano e disse: “Tristeza não tem fim. Felicidade
sim.”.
Há alguns dias acordei como todo neurótico e ansioso desse
mundo. O celular virou um apêndice não operável, uma praga grudenta desde a
manhã até os últimos minutos antes de pegar no sono. Demorei a acreditar na
veracidade daquelas manchetes. Desliguei aquele troço, fiz um café, tomei banho
e olhei de novo. Era aquilo mesmo. Lula estava sendo levado para um passeio com
a Polícia Federal.
Tento desenvolver o salutar hábito de me olhar no espelho e
repassar meu passado antes de julgar qualquer pessoa. Meu pai, pastor
presbiteriano, me ensinou: aquele entre vós que está sem pecado, atire a
primeira pedra. Pecados eu tenho muitos. Se deito a cabeça no travesseiro
tranquilo todas as noites, uma coisa é certa: só profanei minha própria alma.
Os cofres públicos, balanços de estatais, licitações fraudulentas e transações
com doleiros de nome árabe continuam muito distantes da minha singela
realidade.
Em 1982, meu pai se candidatou a vereador pelo PMDB. Eu
tinha seis anos. Tenho várias recordações legais dessa época.Uma delas era um panfleto onde meu pai
expunha suas propostas e, do lado esquerdo, havia uma caricatura do Henfil
trazendo o Maluf, o Delfim e o Reynaldo de Barros com um balãozinho: “Eles
estão acabando com o Brasil!”.
Todo político pode ter seus poréns. Mas o papai naquela
época se aliou com o que havia de melhor: Severo Gomes, Almino Afonso, Franco
Montoro, Mário Covas, Flávio Bierrenbach. Quase foi eleito. Teve mais de doze
mil votos. Pouco tempo depois eu estive com ele no Pacaembú, num jogo do
Corinthians, e o narrador, depois de declamar a frase cabalística – Todo atleta
merece respeito, se não quiser aplaudir, silencie-se – anunciou o público
presente no estádio. Onze mil e não sei quantos. Papai parou, deu uma
suspirada, olhou em volta e disse: “Filho, mais de um estádio desse votou em
mim. Dá pra imaginar?”.
Nesse tempo Lula era apenas um traço. Tentou ser governador
de São Paulo. Se não houvesse livro de história, ninguém com menos de quarenta
anos lembraria.
O Lula de número 2
Ah, 1989! Esse sim foi um ano interessante! A primeira eleição
presidencial depois da ditadura. Lembro até hoje dos jingles. Essa eleição,
positivamente, não trouxe nada de bom para o país. Agora, uma coisa é certa.
Nunca antes, tampouco depois, na história desse país, foram compostos jingles
tão geniais para candidatos a presidente. “Lula-lá, brilha uma estrela”.
“La-la-la-la-la... Brizoooolá”. “Bote fé, no velhinho, que o velhinho é demais!
Bote fé, no velhinho, que ele sabe o que faz!”. “Juntos chegaremos lá, fé no
Brasil! Com Afif juntos chegaremos lá!”, com o adendo do “Dois patinhos, na
lagoa, vote Afif, 22!”.
Até o candidato nulo Affonso Camargo do PTB conseguiu
ganhar seu destaque na telinha comprando o apoio do inesquecível Tião Macalé. Ainda
tem o Aureliano, gente. Nunca me esqueci da emoção da frase: “Aureliano é muito
verdadeiro...”. Eram gênios da propaganda trabalhando ali. Já o prêmio de pior
jingle e pior marketing político (Ah, vá?!) foi para o PSDB, com o jingle de Mário
Covas. Se um robô japonês ouvisse esse jingle 500 vezes, provavelmente não
seria capaz de reproduzi-lo. É uma pena. Pensei mais de uma vez em escrever um livro
ficcional imaginando o que teria sido o Brasil se Mário Covas tivesse sido
eleito em 1989. Sonhar é grátis. Teria dado um bom romance.
Houve ainda a tentativa do Silvio Santos de virar
presidente da República. Um livro sobre Silvio Santos presidente em 1989 não
seria romance, seria ficção científica. Tinha jingle também, em ritmo de “Vamos
sorrir e cantar”:
Chegou aquele,
que a gente queria
Para o Brasil governar
Agora o povo
Está contente
Já temos em quem votar
É o Vinte seis!
É o vinte seis!
Com Silvio Santos chegou a nossa vez!
O mesmo ano de 1989 nos brindou com os famigerados debates
dos candidatos à presidência na televisão. Até hoje faço piada interna com
amigos como Eduardo Bobó e Graciliano Dória: “Desequilibrado!”, “Filhote da
ditadura!”, “Não lhe dou aparte!”.
Voltando agora ao cronista, queria deixar algumas memórias
dessa época. Eu seguia, obviamente, a vontade do papai de apoiar Mario Covas no
primeiro turno. No segundo turno, entramos no embate Collor x Lula. Aqui começa
minha mágoa visceral de quem hoje, em 2016,me chama de coxinha. Eu, desde os treze anos, apoiei o candidato Lula.
Empunhei bandeiras, tomei porrada e passei por humilhações no meu bairro.
Até aí tudo bem. Eu era moleque, tinha ouvido até não
poder mais as aventuras dos meus pais nos anos de chumbo, dava para aguentar
meia dúzia de burguesinhos babacas num condomínio de classe média. A pulga
atrás da orelha apareceu quando minha professora de violão, super
artista, super alternativa, super Humanas, confessou, num bate papo com a
mamãe, que votaria em Collor.
Aquilo caiu naquela tarde nula, sei lá, suponho, uma
terça-feira à tarde, como um tijolo numa partida de dominó. Como assim? Ela, a
referência artística da casa, a jovem que ensinava ao Iatã, pequenino burguês,
as músicas divinas da esquerda artística, Baden Powell, Chico Buarque, Caê, Gil,
iria votar em Collor?
Hoje, da distância de mais de vinte e cinco anos, eu a entendo com uma clareza solar. Ela era uma professora de violão excepcional, assim
como era Dona Marlene, minha querida professora de piano. Só não virei um exímio
músico por absoluta falta de talento. Instrutoras não me faltaram. Como dizia o
papai, citando o Coelho Neto, eu era “moita, faltava-me o sopro”.
A professora de violão era boa a ponto de organizar
apresentações dos alunos em teatros. Num dos ensaios, na casa dela, eu ainda era criança, havia alguns alunos mais velhos discutindo política. Pela primeira vez na vida conheci pessoas truculentas de esquerda. Entendi, ainda criança, uma coisa meio óbvia, muito antes de estudar Ciência Política na PUC-SP: existem fascistas de esquerda e de direita. Vi que a boçalidade não escolhe ideologia. Percebi, talvez cedo demais, que política não é para
amadores.
O Lula de número 3
A vitória de Luiza Erundina em 1988 foi o primeiro grande
passo do PT em busca da projeção nacional. Esse processo eleitoral foi muito
interessante. O fato de estar lembrando disso agora, com essa riqueza de
detalhes, me faz sentir extremamente velho e rio sozinho enquanto escrevo.Além de ter sido a primeira grande vitória do
PT, essa eleição foi marcada por ter sido a última antes da lei ser alterada e
o segundo turno passar a existir. Isso explica, em grande parte, a vitória de
Luiza Erundina. Muitas pessoas que iriam votar no Serra, acabaram votando em
Erundina para evitar a vitória do Paulo Maluf, entre elas os meus queridos
pais.Foi a eleição do “voto útil” e
também a primeira vez em que a influência das pesquisas eleitorais teve
profunda influência no resultado final da eleição. Essa história mostra como a
decisão do voto na minha casa pendia com facilidade entre o PT e o PSDB. O PMDB
da época da candidatura do meu pai, já se transformara nessa coisa horrorosa
que continua a ser até hoje.
Durante os anos FHC,
a estabilização da economia, o fim da inflação, não foram suficientes para
convencer um idiota esquerdista como eu, lobotomizado por anos e anos de
professores marxistas na escola, a apoiar o governo vigente. Sem contar o peso
inequívoco da opinião do meu pai, acometido por mal similar. A única diferença
era a intensidade e o histórico da contaminação do vírus.
Entrei na faculdade num ano meio ingrato. Em 1994, não
tinha conhecimento técnico, muito menos experiência de vida suficientes para
entender com profundidade o que se passava no país. Fui absorvendo, como todo
mundo, os benefícios óbvios que a estabilização da economia trazia ao Brasil.
Mas a genialidade dos formuladores do Plano Real erainquestionável. Especialmente depois de ter
vivido todos os pacotes econômicos do Sarney e do Collor. Aqui caberia lembrar
os clássicos da teoria econômica de doutores como Guido Mantega e Aloísio
Mercadante sobre as “falhas estruturais” do Plano Real, mas aí já seria
empurrar bêbado de ladeira. Passemos às coisa mais interessantes.
Nesse período, de 1994 a 1998, ainda não estava totalmente
consolidado o famigerado Fla x Flu entre PT x PSDB. O debate político, pelo menos
na minha casa, ainda era caracterizado pelo maniqueísmo de 1989, pelo embate
entre as “forças progressistas” e as “reminiscências da ditadura”. Mário Covas
certamente foi o político que melhor representou essa tendência. Foi o único –
e último – tucano a apoiar incondicionalmente o PT contra uma suposta
“direita”. Apoiou Lula no segundo turno de 1989 e depois, já extremamente
debilitado de saúde, fez questão de apoiar Marta Suplicy nas eleições para a
prefeitura de São Paulo em 2000.
Ainda nessa toada, lembro com carinho as eleições para
governador de São Paulo em 1998. Além do amor pelo Corinthians, uma das coisas
que mais me conectava com meu pai, dado que sempre tivemos interesses
completamente distintos sobre quase tudo, era a cruzada anti-malufismo. Nesse
ano, ocandidato “evangélico” Francisco
Rossi despontou como favorito. Uso a palavra “evangélico” entre aspas sempre
que me refiro a um membro de igreja picareta. Sou filho de um evangélico de
verdade e acho pertinente a distinção.
Enfim, voltando ao assunto, Francisco Rossi acabou
esmorecendo e o segundo turno foi entre Mário Covas e Maluf. No começo do
segundo turno, Maluf estava na frente. No decorrer da campanha, utilizando um
discurso que nunca mais vi em nenhuma campanha eleitoral, Covas apelava aos
princípios, aos valores, às coisas que qualquer pessoa normal, pelo menos no
meu mundo, priorizaria. No dia em que Mário Covas ultrapassou Maluf nas
pesquisas eleitorais do segundo turno, o papai saiu mais cedo de casa. Eu ainda
não havia acordado. Ele colocou a Folha de São Paulo debaixo da porta do meu
quarto com um bilhetinho em cima: “Filho querido, vencemos!”.
-->
Mesmo vinte anos depois, completamente desiludido com a
política, com todos os partidos, essa é uma das recordações mais queridas que
tenho do meu pai. Saudade de um tempo em que éramos trouxas, ingênuos,
acreditávamos na política e na humanidade.
Os Lulas de número 4,
5,6 , 7....
Imagino um leitor chegando até esse ponto do meu texto.
“Agora vai! Agora ele desce a lenha nos petralhas!”. Foi mal, pessoal. Vou
passar. Meu bode atual é com o mundo, não com o PT. Tenho bode do Reynaldo
Azevedo, do Sakamoto, do Lobão, da Carta Capital, da Veja, do Instituto Lula,
do Ministério Público de São Paulo, das feministas, do Olavo de Carvalho, das
redes sociais, enfim, da puta que pariu. Um bode gigante, cagão e fedido, toma
conta do meu dia-a-dia de brasileiro. Sinto uma vontade inexplicável de ser
simples. Trabalhar, construir, cooperar, ser legal, gente fina. Queria ser
obrigado a filosofar menos e fazer mais. Ser menos ideológico e mais prático.
Faço aqui valer a licença básica do cronista, qual seja,
não ser cientista político, mas fazer ciência política de botequim. Quando eu
era novinho, petista e idealista militante, um tio meu me disse: “Filho, eu
admiro suas intenções, mas eu já vi esse filme muitas vezes. É tudo a mesma
coisa, não se iluda. O tempo vai te mostrar”. Naquele dia eu pensei: “Nossa,
como meu tio é desiludido, direitista, conservador”. Ele me disse isso uns vinte
anos antes de mensalões, petrolões e similares.
Naquele tempo eu me achava superior. Eu, um Themudo Lessa,
membro de família de intelectuais, sobrinho-neto do imortal Orígenes Lessa,
sabia muito mais sobre política do que as empregadas, faxineiros e pedreiros na
hora de votar. Na hora de encarar a urna, eu, estudante de elite, providenciaria
a redenção dos pobres. Mesmo que alguns deles, desamparados e iludidos, fossem
ludibriados pelos PTBistas de plantão, eu estaria lá. Para votar em Genoíno!
Para votar em José Dirceu! (Infelizmente não é ironia, é verdade).
Essa talvez seja a grande ilusão da democracia. Continuo
convicto de que é milhões de vezes melhor do que qualquer ditadura, mas,
convenhamos, não é lá grande coisa. Depois de me assumir como brasiliense e
abandonar de vez minha cidadania paulistana, me dei ao trabalho de ler com
atenção a edição do Correio Braziliense, depois das eleições de 2014. Todos os
deputados distritais eleitos tinham basicamente três perfis: filhos ou parentes
de oligarquias locais, sindicalistas ligados à CUT ou membros de igrejas
evangélicas de quinta categoria. A esperança em voga, com a eleição do novo
governador Rodrigo Rollemberg, tinha fundamento? Com essa assembléia?
Enquanto lia esse jornal, na minha mesinha do Banco
Central, me lembrei da juventude, do tempo em que me achava malandrão e
politizado. Estava andando de skate no parque do Ibirapuera com alguns manos do
Paraíso, quando, não me perguntem por que cargas d’água, surgiu o assunto
eleições. Um dos caras, com mais de desesseis anos, falou que iria votar no
Turco Louco. Minha intelectualidade prufunda não resistiu e questionou: “Por
que, mano? O cara é um puta dum sem noção?”. Ele respondeu e me calou a boca:
“Ué, democracia não é pra representatividade? O cara é esqueitista, eu sou
esqueitista”. Pense na população do Distrito Federal e veja os representantes
eleitos. Há alguma contradição? Eu não vejo nenhuma.
Eu não vou participar das manifestações do dia 13/03/2016
por uma razão muito simples. Sou um democrata e não conheço ninguém que tenha
votado na Dilma e esteja arrependido. Por mais surrealista que essa afirmação
pareça, ela é rigorosamente verdadeira. Eu não acredito mais nem em histórias
da carochinha, nem em pesquisas do Datafolha. Bote cada um dos 51 milhões numa
máquina de tempo hoje, leve-os de volta a 31 de outubro de 2014 e 98% cravarão
o 13 de novo. E tenho poucas dúvidas de que Lula seria reeleito se uma nova
eleição fosse feita hoje.
Mesmo vendo o Marcelo Adnet me ridicularizando no horário
nobre da Globo através de paródias do Chico Buarque, eu estou confortável e
assumido na minha posição de coxinha. Afinal, para ele e para a maioria das pessoas,
vale a lição do João Santana: se você não está conosco, está contra nós. Se não
é petista, é tucano e etc. . Todo mundo é igual: Veja, Lobão, Reynaldo Azevedo,
Olavo de Carvalho, Geraldo Alckmin, Narcisa Tamborindeguy, Jair Bolsonaro, eu e
todo mundo que saiu de casa de verde amarelo hoje. Tudo a mesma jossa.
Eu escrevo no meu bloguinho, faço meus postizinhos no
Facebook e me sinto como aquelas pulgas do desenho animado, ou aquele jacaré do
Pica-Pau que fica com a voz fininha depois de ser atingido pelo miniaturizador:
“Mi mi piririi mi mi mi”. Tradução: “Eu queria dizer que tenho ideias proprias,
caso alguém esteja interessado em ouvir!”.
Não tenho o menor pudor de admitir que a ideia de sair do
Brasil me atrai. Pela razão simples já explicada acima. Para mim esse é o
Brasil que a maioria dos brasileiros quer. Se isso me violenta, cabe a mim
pedir pra sair. Infelizmente hoje isso não é possível, por uma infinidade de
razões pessoais. Mas, tenho prazer nos exercícios de imaginação. Não para
Miami, né? Muito chinfrim, muito desinteressante. Vários amigos já se foram e
fiquei com aquela inveja boa. Alguns pra Miami, outros para o Chile, outro pra
Londres. Eu iria para a Nova Zelândia. Criaria ovelhas, fabricaria cerveja em
casa e mandaria meu currículo para aos bancos locais.
Noutras oras minha esquizofrenia se manifesta, converso
comigo mesmo, vejo tudo isso como grande bobagem. Talvez seja uma questão
genética. Meu nome advém de um acesso de Policarpo Quaresma do meu pai. Na
busca de um nome genuinamente brasileiro, ele não se satisfez com o português
cristão “Lucas”, sugerido pela mamãe, teve de cravar o tupi-guarani “Iatã”.
Duvido, muitas vezes, da minha capacidade de passar mais de duas semanas sem um
arroz com feijão e um joguinho do Curíntias. Quiçá o resto da vida.
No fim das contas, eu talvez até encarasse uma fila no Pão
de Açúcar para comprar papel higiênico, uma inflação de três dígitos e os
populismos de costume. Eu só não fico mais aqui no dia em não puder mais
escrever. Se esse dia chegar, eu atravesso o Atlântico de canoa. Não volto
nunca mais.
Me incomoda demais, na maioria das
manifestações feministas, a incapacidade de separar casos de polícia de
outros assuntos, em minha opinião menores, ligados a patrulhamentos
politicamente corretos, cotas e congêneres. Minha recusa em
apoiar estes movimentos, muitas vezes bem intencionados - e sei que são
bem intencionados porque conheço algumas pessoas que os lideram - está
única e exclusivamente nesse fato.
Se quiserem protestar a favor
do aborto, contra a violência doméstica, contra o assédio no trabalho,
no transporte público, na balada, podem me chamar, sou o primeiro a
cerrar fileiras. Agora, se o Congresso Nacional tem menos
mulheres do que homens, se o salário de vocês é menor que o dos homens,
sinto muito. Não é problema meu. E, confesso, não estou remotamente
preocupado com isso.
As mulheres que eu aprendi a admirar não
esperaram a benevolência de nenhum homem, de nenhum marido, de nenhum
governo e de nenhuma lei. Tiveram força para chutar a porta e entrar.
Simples assim.
Minha bisavó alemã chocou a comunidade
conservadora de Lages, em Santa Catarina, ao defender ideias
progressistas e cosmopolitas e ao tocar piano à noite, durante
apresentações de cinema mudo. Uma de suas filhas, minha tia-avó
Liselotte Ornellas, foi a primeira nutricionista brasileira, até hoje
referência na área, e uma das primeiras mulheres do Brasil a seguir a
carreira acadêmica. Continua lá, firme e forte, no Rio de Janeiro, com
98 anos. Umas das mulheres mais lindas do Brasil.
A neta da
minha bisavó alemã, minha querida mãe, é uma mulher maravilhosa, forte,
cheia de personalidade. Lutou bravamente contra a ditadura militar. Uma
pessoa que me ensinou a a ser tolerante, ético, a ter valores antes de
tudo. Meu pai dizia, ao se referir a ela: "Filho, sabe por que sou
apaixonado pela sua mãe? Porque ela sempre foi a Maria, nunca foi a
esposa do Roberto".
Essas mulheres balizaram a minha busca
pessoal por uma mulher. Demorou muito, mas um dia eu achei. Achei uma
mulher mais bonita do que eu, mais inteligente do que eu, mais bem
sucedida profissionalmente do que eu, mais generosa do que eu. Detalhe: não nasceu em berço esplêndido, muito pelo contrário. (Perto do
meu berço então, nem se fala...). Foi apenas mais uma a chutar a porta.
Só me restou questionar por que raios ela me escolheu...
Quando
leio as postagens nas redes sociais, tenho a impressão de que vivo no
Afeganistão. Não quero negar o fato óbvio de que muitas mulheres
brasileiras ainda vivem no Afeganistão. Só quero lembrar que muitos
homens brasileiros, já faz tempo, não estão mais em busca de Amélias.
Minha patética opiniãozinha de rede social para o Dia Internacional da
Mulher vai, portanto, para essa proposta: muito mais esforço direcionado
aos casos de polícia. Muito menos atenção ao discursinho raso de
esquerda. Esse (quase) ninguém aguenta mais. Já nos exauriu por diversos
motivos. O feminismo "fail" é apenas mais um. E, diga-se de passagem,
um dos menos relevantes e interessantes.