23.3.16

Em tempos de luta, ninguém conserta o ventilador


          Certa vez li um artigo do Antônio Prata na Folha onde ele contava uma experiência vivida na faculdade. Se não me falha a memória, ele também estudou na PUC-SP, como eu. Creio que depois de mim, mas não tenho certeza. Pouco importa. O cenário era o mesmo. Segundo o cronista, seus colegas um dia se revoltaram com a inoperância dos ventiladores da classe durante um verão mais cruel do que a média. Mobilizaram-se, fizeram abaixo assinado e coisa e tal. Um dos piqueteiros teve a brilhante ideia de pedir apoio ao Centro Acadêmico local. No dia da entrega do manifesto, chegaram com um certo plus a mais. Além da demanda pelo conserto do ventilador, pediam o fim do PROER, o boicote ao Plano Real e o Fora FHC. Devo ter distorcido bastante a história, mas lhes asseguro, era algo nessa linha.

            Minha identificação foi imediata. Lembrei dos meus tempos de Relações Internacionais na PUC-SP. Em 1996 o Cento Acadêmico de Ciências Sociais era dominado pela esquerda militante fora-FHC. Um dia perguntei a uma das “membras” do CA, minha amicíssima e ex-colega de escola,  por que eles nunca organizavam seminários, palestras, congressos estudantis, cervejadas, sei lá, uma coisa assim... “acadêmica”? Recebi a resposta na lata: “Não tem tempo pra isso aqui, Iatã. Isso aqui é um espaço de luta!”.

            Pois é. Eu ainda era jovem. Ainda era, nas palavras do mesmo Antônio Prata, “meio intelectual, meio de esquerda”, achei aquilo meio incômodo, mas não me revoltei. Jamais imaginei aquele microcosmos tosco da rua Monte Alegre se proliferando por um país inteiro.

            Alguém notou que faz mais de duas semanas que o Zika vírus não aparece em nenhuma capa de jornal? Enquanto durar nosso UFC Fighting Político – e ele vai durar muito – ninguém vai se lembrar de consertar o ventilador da PUC-SP, ou melhor, ninguém vai se preocupar com a segurança pública, com os milhões de desempregados, a política externa, enfim, a lista é longa, enfadonha e triste. Todos os ventiladores do Brasil permanecerão desligados enquanto o STF faz sua Páscoa estendida e enquanto todos os poderes brasileiros estendem suas decisões de acordo com o devido processo legal.

            Desenvolvi o hábito salutar de rir da minha própria ingenuidade. Há pouco tempo, talvez dois ou três anos, tirei umas deliciosas férias com minha irmã, meu cunhado e meus sobrinhos numa praia mais isolada em Alagoas. Levei aquele livrão do Mario Sergio Conti, “Notícias do Planalto”. Depois de devorá-lo bem devagar, ao som das ondas e à sombra das palmeiras, filosofei de botequim: “Jamais terei paciência para passar por isso de novo”. De fato não tenho. Vivo hoje sem ter pra onde ir. Estou num programa do Silvio Santos: “Vai pra lá! Vai pra cá! Mas... Eu não sei!”.

            Quantos caos institucionais um brasileiro é capaz de suportar? Eu confesso não conseguir mais suportar o segundo. Aliás, segundo é arredondamento. Tenho quase quarenta anos. Encarei Figueiredo, Sarney e Collor. A crueldade maior, quando me comparo com meu pai e todos os meus antepassados é constatar que eles, pelo menos, não viveram o morde e assopra. Eles sempre viveram na esbórnia. Nós tivemos o gostinho etéreo, alguns aninhos de inflação baixa, responsabilidade fiscal, sonho de planejamento a longo prazo, ensaio de inserção no comércio internacional.

             Depois veio nosso maestro soberano e disse: “Tristeza não tem fim. Felicidade sim.”.       


13.3.16

Meus Lulas


O Lula de número 1

Há alguns dias acordei como todo neurótico e ansioso desse mundo. O celular virou um apêndice não operável, uma praga grudenta desde a manhã até os últimos minutos antes de pegar no sono. Demorei a acreditar na veracidade daquelas manchetes. Desliguei aquele troço, fiz um café, tomei banho e olhei de novo. Era aquilo mesmo. Lula estava sendo levado para um passeio com a Polícia Federal.

Tento desenvolver o salutar hábito de me olhar no espelho e repassar meu passado antes de julgar qualquer pessoa. Meu pai, pastor presbiteriano, me ensinou: aquele entre vós que está sem pecado, atire a primeira pedra. Pecados eu tenho muitos. Se deito a cabeça no travesseiro tranquilo todas as noites, uma coisa é certa: só profanei minha própria alma. Os cofres públicos, balanços de estatais, licitações fraudulentas e transações com doleiros de nome árabe continuam muito distantes da minha singela realidade.

Em 1982, meu pai se candidatou a vereador pelo PMDB. Eu tinha seis anos. Tenho várias recordações legais dessa época.  Uma delas era um panfleto onde meu pai expunha suas propostas e, do lado esquerdo, havia uma caricatura do Henfil trazendo o Maluf, o Delfim e o Reynaldo de Barros com um balãozinho: “Eles estão acabando com o Brasil!”.  

Todo político pode ter seus poréns. Mas o papai naquela época se aliou com o que havia de melhor: Severo Gomes, Almino Afonso, Franco Montoro, Mário Covas, Flávio Bierrenbach. Quase foi eleito. Teve mais de doze mil votos. Pouco tempo depois eu estive com ele no Pacaembú, num jogo do Corinthians, e o narrador, depois de declamar a frase cabalística – Todo atleta merece respeito, se não quiser aplaudir, silencie-se – anunciou o público presente no estádio. Onze mil e não sei quantos. Papai parou, deu uma suspirada, olhou em volta e disse: “Filho, mais de um estádio desse votou em mim. Dá pra imaginar?”.  

Nesse tempo Lula era apenas um traço. Tentou ser governador de São Paulo. Se não houvesse livro de história, ninguém com menos de quarenta anos lembraria.

O Lula de número 2

Ah, 1989! Esse sim foi um ano interessante! A primeira eleição presidencial depois da ditadura. Lembro até hoje dos jingles. Essa eleição, positivamente, não trouxe nada de bom para o país. Agora, uma coisa é certa. Nunca antes, tampouco depois, na história desse país, foram compostos jingles tão geniais para candidatos a presidente. “Lula-lá, brilha uma estrela”. “La-la-la-la-la... Brizoooolá”. “Bote fé, no velhinho, que o velhinho é demais! Bote fé, no velhinho, que ele sabe o que faz!”. “Juntos chegaremos lá, fé no Brasil! Com Afif juntos chegaremos lá!”, com o adendo do “Dois patinhos, na lagoa, vote Afif, 22!”.

Até o candidato nulo Affonso Camargo do PTB conseguiu ganhar seu destaque na telinha comprando o apoio do inesquecível Tião Macalé. Ainda tem o Aureliano, gente. Nunca me esqueci da emoção da frase: “Aureliano é muito verdadeiro...”. Eram gênios da propaganda trabalhando ali. Já o prêmio de pior jingle e pior marketing político (Ah, vá?!) foi para o PSDB, com o jingle de Mário Covas. Se um robô japonês ouvisse esse jingle 500 vezes, provavelmente não seria capaz de reproduzi-lo. É uma pena. Pensei mais de uma vez em escrever um livro ficcional imaginando o que teria sido o Brasil se Mário Covas tivesse sido eleito em 1989. Sonhar é grátis. Teria dado um bom romance.

Houve ainda a tentativa do Silvio Santos de virar presidente da República. Um livro sobre Silvio Santos presidente em 1989 não seria romance, seria ficção científica. Tinha jingle também, em ritmo de “Vamos sorrir e cantar”:

Chegou aquele,
que a gente queria
Para o Brasil governar
Agora o povo
Está contente
Já temos em quem votar
É o Vinte seis!
É o vinte seis!
Com Silvio Santos chegou a nossa vez! 


 

O mesmo ano de 1989 nos brindou com os famigerados debates dos candidatos à presidência na televisão. Até hoje faço piada interna com amigos como Eduardo Bobó e Graciliano Dória: “Desequilibrado!”, “Filhote da ditadura!”, “Não lhe dou aparte!”. 


 

Voltando agora ao cronista, queria deixar algumas memórias dessa época. Eu seguia, obviamente, a vontade do papai de apoiar Mario Covas no primeiro turno. No segundo turno, entramos no embate Collor x Lula. Aqui começa minha mágoa visceral de quem hoje, em 2016,  me chama de coxinha. Eu, desde os treze anos, apoiei o candidato Lula. Empunhei bandeiras, tomei porrada e passei por humilhações no meu bairro.

Até aí tudo bem. Eu era moleque, tinha ouvido até não poder mais as aventuras dos meus pais nos anos de chumbo, dava para aguentar meia dúzia de burguesinhos babacas num condomínio de classe média. A pulga atrás da orelha apareceu quando minha professora de violão, super artista, super alternativa, super Humanas, confessou, num bate papo com a mamãe, que votaria em Collor.

Aquilo caiu naquela tarde nula, sei lá, suponho, uma terça-feira à tarde, como um tijolo numa partida de dominó. Como assim? Ela, a referência artística da casa, a jovem que ensinava ao Iatã, pequenino burguês, as músicas divinas da esquerda artística, Baden Powell, Chico Buarque, Caê, Gil, iria votar em Collor?

Hoje, da distância de mais de vinte e cinco anos, eu a entendo com uma clareza solar. Ela era uma professora de violão excepcional, assim como era Dona Marlene, minha querida professora de piano. Só não virei um exímio músico por absoluta falta de talento. Instrutoras não me faltaram. Como dizia o papai, citando o Coelho Neto, eu era “moita, faltava-me o sopro”.

A professora de violão era boa a ponto de organizar apresentações dos alunos em teatros. Num dos ensaios, na casa dela, eu ainda era criança, havia alguns alunos mais velhos discutindo política. Pela primeira vez na vida conheci pessoas truculentas de esquerda. Entendi, ainda criança, uma coisa meio óbvia, muito antes de estudar Ciência Política na PUC-SP: existem fascistas de esquerda e de direita. Vi que a boçalidade não escolhe ideologia. Percebi, talvez cedo demais, que política não é para amadores.

O Lula de número 3

A vitória de Luiza Erundina em 1988 foi o primeiro grande passo do PT em busca da projeção nacional. Esse processo eleitoral foi muito interessante. O fato de estar lembrando disso agora, com essa riqueza de detalhes, me faz sentir extremamente velho e rio sozinho enquanto escrevo.  Além de ter sido a primeira grande vitória do PT, essa eleição foi marcada por ter sido a última antes da lei ser alterada e o segundo turno passar a existir. Isso explica, em grande parte, a vitória de Luiza Erundina. Muitas pessoas que iriam votar no Serra, acabaram votando em Erundina para evitar a vitória do Paulo Maluf, entre elas os meus queridos pais.  Foi a eleição do “voto útil” e também a primeira vez em que a influência das pesquisas eleitorais teve profunda influência no resultado final da eleição. Essa história mostra como a decisão do voto na minha casa pendia com facilidade entre o PT e o PSDB. O PMDB da época da candidatura do meu pai, já se transformara nessa coisa horrorosa que continua a ser até hoje.


 Durante os anos FHC, a estabilização da economia, o fim da inflação, não foram suficientes para convencer um idiota esquerdista como eu, lobotomizado por anos e anos de professores marxistas na escola, a apoiar o governo vigente. Sem contar o peso inequívoco da opinião do meu pai, acometido por mal similar. A única diferença era a intensidade e o histórico da contaminação do vírus.

Entrei na faculdade num ano meio ingrato. Em 1994, não tinha conhecimento técnico, muito menos experiência de vida suficientes para entender com profundidade o que se passava no país. Fui absorvendo, como todo mundo, os benefícios óbvios que a estabilização da economia trazia ao Brasil. Mas a genialidade dos formuladores do Plano Real era  inquestionável. Especialmente depois de ter vivido todos os pacotes econômicos do Sarney e do Collor. Aqui caberia lembrar os clássicos da teoria econômica de doutores como Guido Mantega e Aloísio Mercadante sobre as “falhas estruturais” do Plano Real, mas aí já seria empurrar bêbado de ladeira. Passemos às coisa mais interessantes.

Nesse período, de 1994 a 1998, ainda não estava totalmente consolidado o famigerado Fla x Flu entre PT x PSDB. O debate político, pelo menos na minha casa, ainda era caracterizado pelo maniqueísmo de 1989, pelo embate entre as “forças progressistas” e as “reminiscências da ditadura”. Mário Covas certamente foi o político que melhor representou essa tendência. Foi o único – e último – tucano a apoiar incondicionalmente o PT contra uma suposta “direita”. Apoiou Lula no segundo turno de 1989 e depois, já extremamente debilitado de saúde, fez questão de apoiar Marta Suplicy nas eleições para a prefeitura de São Paulo em 2000.

Ainda nessa toada, lembro com carinho as eleições para governador de São Paulo em 1998. Além do amor pelo Corinthians, uma das coisas que mais me conectava com meu pai, dado que sempre tivemos interesses completamente distintos sobre quase tudo, era a cruzada anti-malufismo. Nesse ano, o  candidato “evangélico” Francisco Rossi despontou como favorito. Uso a palavra “evangélico” entre aspas sempre que me refiro a um membro de igreja picareta. Sou filho de um evangélico de verdade e acho pertinente a distinção.

Enfim, voltando ao assunto, Francisco Rossi acabou esmorecendo e o segundo turno foi entre Mário Covas e Maluf. No começo do segundo turno, Maluf estava na frente. No decorrer da campanha, utilizando um discurso que nunca mais vi em nenhuma campanha eleitoral, Covas apelava aos princípios, aos valores, às coisas que qualquer pessoa normal, pelo menos no meu mundo, priorizaria. No dia em que Mário Covas ultrapassou Maluf nas pesquisas eleitorais do segundo turno, o papai saiu mais cedo de casa. Eu ainda não havia acordado. Ele colocou a Folha de São Paulo debaixo da porta do meu quarto com um bilhetinho em cima: “Filho querido, vencemos!”. 

 
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Mesmo vinte anos depois, completamente desiludido com a política, com todos os partidos, essa é uma das recordações mais queridas que tenho do meu pai. Saudade de um tempo em que éramos trouxas, ingênuos, acreditávamos na política e na humanidade.


Os Lulas de número 4, 5,6 , 7....


Imagino um leitor chegando até esse ponto do meu texto. “Agora vai! Agora ele desce a lenha nos petralhas!”. Foi mal, pessoal. Vou passar. Meu bode atual é com o mundo, não com o PT. Tenho bode do Reynaldo Azevedo, do Sakamoto, do Lobão, da Carta Capital, da Veja, do Instituto Lula, do Ministério Público de São Paulo, das feministas, do Olavo de Carvalho, das redes sociais, enfim, da puta que pariu. Um bode gigante, cagão e fedido, toma conta do meu dia-a-dia de brasileiro. Sinto uma vontade inexplicável de ser simples. Trabalhar, construir, cooperar, ser legal, gente fina. Queria ser obrigado a filosofar menos e fazer mais. Ser menos ideológico e mais prático.

Faço aqui valer a licença básica do cronista, qual seja, não ser cientista político, mas fazer ciência política de botequim. Quando eu era novinho, petista e idealista militante, um tio meu me disse: “Filho, eu admiro suas intenções, mas eu já vi esse filme muitas vezes. É tudo a mesma coisa, não se iluda. O tempo vai te mostrar”. Naquele dia eu pensei: “Nossa, como meu tio é desiludido, direitista, conservador”. Ele me disse isso uns vinte anos antes de mensalões, petrolões e similares.

Naquele tempo eu me achava superior. Eu, um Themudo Lessa, membro de família de intelectuais, sobrinho-neto do imortal Orígenes Lessa, sabia muito mais sobre política do que as empregadas, faxineiros e pedreiros na hora de votar. Na hora de encarar a urna, eu, estudante de elite, providenciaria a redenção dos pobres. Mesmo que alguns deles, desamparados e iludidos, fossem ludibriados pelos PTBistas de plantão, eu estaria lá. Para votar em Genoíno! Para votar em José Dirceu! (Infelizmente não é ironia, é verdade).

Essa talvez seja a grande ilusão da democracia. Continuo convicto de que é milhões de vezes melhor do que qualquer ditadura, mas, convenhamos, não é lá grande coisa. Depois de me assumir como brasiliense e abandonar de vez minha cidadania paulistana, me dei ao trabalho de ler com atenção a edição do Correio Braziliense, depois das eleições de 2014. Todos os deputados distritais eleitos tinham basicamente três perfis: filhos ou parentes de oligarquias locais, sindicalistas ligados à CUT ou membros de igrejas evangélicas de quinta categoria. A esperança em voga, com a eleição do novo governador Rodrigo Rollemberg, tinha fundamento? Com essa assembléia?

Enquanto lia esse jornal, na minha mesinha do Banco Central, me lembrei da juventude, do tempo em que me achava malandrão e politizado. Estava andando de skate no parque do Ibirapuera com alguns manos do Paraíso, quando, não me perguntem por que cargas d’água, surgiu o assunto eleições. Um dos caras, com mais de desesseis anos, falou que iria votar no Turco Louco. Minha intelectualidade prufunda não resistiu e questionou: “Por que, mano? O cara é um puta dum sem noção?”. Ele respondeu e me calou a boca: “Ué, democracia não é pra representatividade? O cara é esqueitista, eu sou esqueitista”. Pense na população do Distrito Federal e veja os representantes eleitos. Há alguma contradição? Eu não vejo nenhuma.

Eu não vou participar das manifestações do dia 13/03/2016 por uma razão muito simples. Sou um democrata e não conheço ninguém que tenha votado na Dilma e esteja arrependido. Por mais surrealista que essa afirmação pareça, ela é rigorosamente verdadeira. Eu não acredito mais nem em histórias da carochinha, nem em pesquisas do Datafolha. Bote cada um dos 51 milhões numa máquina de tempo hoje, leve-os de volta a 31 de outubro de 2014 e 98% cravarão o 13 de novo. E tenho poucas dúvidas de que Lula seria reeleito se uma nova eleição fosse feita hoje.


Mesmo vendo o Marcelo Adnet me ridicularizando no horário nobre da Globo através de paródias do Chico Buarque, eu estou confortável e assumido na minha posição de coxinha. Afinal, para ele e para a maioria das pessoas, vale a lição do João Santana: se você não está conosco, está contra nós. Se não é petista, é tucano e etc. . Todo mundo é igual: Veja, Lobão, Reynaldo Azevedo, Olavo de Carvalho, Geraldo Alckmin, Narcisa Tamborindeguy, Jair Bolsonaro, eu e todo mundo que saiu de casa de verde amarelo hoje. Tudo a mesma jossa.

Eu escrevo no meu bloguinho, faço meus postizinhos no Facebook e me sinto como aquelas pulgas do desenho animado, ou aquele jacaré do Pica-Pau que fica com a voz fininha depois de ser atingido pelo miniaturizador: “Mi mi piririi mi mi mi”. Tradução: “Eu queria dizer que tenho ideias proprias, caso alguém esteja interessado em ouvir!”.

Não tenho o menor pudor de admitir que a ideia de sair do Brasil me atrai. Pela razão simples já explicada acima. Para mim esse é o Brasil que a maioria dos brasileiros quer. Se isso me violenta, cabe a mim pedir pra sair. Infelizmente hoje isso não é possível, por uma infinidade de razões pessoais. Mas, tenho prazer nos exercícios de imaginação. Não para Miami, né? Muito chinfrim, muito desinteressante. Vários amigos já se foram e fiquei com aquela inveja boa. Alguns pra Miami, outros para o Chile, outro pra Londres. Eu iria para a Nova Zelândia. Criaria ovelhas, fabricaria cerveja em casa e mandaria meu currículo para aos bancos locais.

Noutras oras minha esquizofrenia se manifesta, converso comigo mesmo, vejo tudo isso como grande bobagem. Talvez seja uma questão genética. Meu nome advém de um acesso de Policarpo Quaresma do meu pai. Na busca de um nome genuinamente brasileiro, ele não se satisfez com o português cristão “Lucas”, sugerido pela mamãe, teve de cravar o tupi-guarani “Iatã”. Duvido, muitas vezes, da minha capacidade de passar mais de duas semanas sem um arroz com feijão e um joguinho do Curíntias. Quiçá o resto da vida.

No fim das contas, eu talvez até encarasse uma fila no Pão de Açúcar para comprar papel higiênico, uma inflação de três dígitos e os populismos de costume. Eu só não fico mais aqui no dia em não puder mais escrever. Se esse dia chegar, eu atravesso o Atlântico de canoa. Não volto nunca mais.

8.3.16

O Dia Internacional da Mulher

Me incomoda demais, na maioria das manifestações feministas, a incapacidade de separar casos de polícia de outros assuntos, em minha opinião menores, ligados a patrulhamentos politicamente corretos, cotas e congêneres. Minha recusa em apoiar estes movimentos, muitas vezes bem intencionados - e sei que são bem intencionados porque conheço algumas pessoas que os lideram - está única e exclusivamente nesse fato.

Se quiserem protestar a favor do aborto, contra a violência doméstica, contra o assédio no trabalho, no transporte público, na balada, podem me chamar, sou o primeiro a cerrar fileiras. Agora, se o Congresso Nacional tem menos mulheres do que homens, se o salário de vocês é menor que o dos homens, sinto muito. Não é problema meu. E, confesso, não estou remotamente preocupado com isso.

As mulheres que eu aprendi a admirar não esperaram a benevolência de nenhum homem, de nenhum marido, de nenhum governo e de nenhuma lei. Tiveram força para chutar a porta e entrar. Simples assim.

Minha bisavó alemã chocou a comunidade conservadora de Lages, em Santa Catarina, ao defender ideias progressistas e cosmopolitas e ao tocar piano à noite, durante apresentações de cinema mudo. Uma de suas filhas, minha tia-avó Liselotte Ornellas, foi a primeira nutricionista brasileira, até hoje referência na área, e uma das primeiras mulheres do Brasil a seguir a carreira acadêmica. Continua lá, firme e forte, no Rio de Janeiro, com 98 anos. Umas das mulheres mais lindas do Brasil.

A neta da minha bisavó alemã, minha querida mãe, é uma mulher maravilhosa, forte, cheia de personalidade. Lutou bravamente contra a ditadura militar. Uma pessoa que me ensinou a a ser tolerante, ético, a ter valores antes de tudo. Meu pai dizia, ao se referir a ela: "Filho, sabe por que sou apaixonado pela sua mãe? Porque ela sempre foi a Maria, nunca foi a esposa do Roberto".

Essas mulheres balizaram a minha busca pessoal por uma mulher. Demorou muito, mas um dia eu achei. Achei uma mulher mais bonita do que eu, mais inteligente do que eu, mais bem sucedida profissionalmente do que eu, mais generosa do que eu. Detalhe: não nasceu em berço esplêndido, muito pelo contrário. (Perto do meu berço então, nem se fala...). Foi apenas mais uma a chutar a porta. Só me restou questionar por que raios ela me escolheu...

Quando leio as postagens nas redes sociais, tenho a impressão de que vivo no Afeganistão. Não quero negar o fato óbvio de que muitas mulheres brasileiras ainda vivem no Afeganistão. Só quero lembrar que muitos homens brasileiros, já faz tempo, não estão mais em busca de Amélias.

Minha patética opiniãozinha de rede social para o Dia Internacional da Mulher vai, portanto, para essa proposta: muito mais esforço direcionado aos casos de polícia. Muito menos atenção ao discursinho raso de esquerda. Esse (quase) ninguém aguenta mais. Já nos exauriu por diversos motivos. O feminismo "fail" é apenas mais um. E, diga-se de passagem, um dos menos relevantes e interessantes.