14.4.16

Beyond House of Cards

Uma pessoa comentou comigo hoje: passei na feira do Guará 2 e comprei três DVDs piratas por dez reais! Batman x Superman! Com todo cuidado, afinal era um desconhecido, perguntei, mas você não tem internet a cabo em casa? Ele tinha. Me surpreendi em saber que ainda existe gente preferindo comprar um DVD pirata por dez reais ao invés de pagar dezenove reais por mês no Netflix. Convenhamos, para que piratear quando o “mercado”, essa entidade metafísica e poderosa, nos oferece algo mais razoável?

            Pouco importa. Meras elucubrações neoliberais. Importa agora falar do seriado “House of Cards”. Quem acompanha esta série talvez compartilhe minha sensação de que a semelhança entre seu roteiro e a realidade atual brasileira vai muito além de um meme do Kevin Spacey rindo da tela do Globo News ou da sacada do Financial Times de que estamos mais para “Walking Dead” do que para “House of Cards”. 

            Uma das coisas mais interessantes da série “House of Cards”, na minha modesta opinião, são os momentos em que o protagonista, Frank Underwood, olha para a câmera e faz um comentário com o telespectador. Isso quebra a narrativa de terceira para primeira pessoa. Nos dá o prazer de compartilhar o escárnio e a desfaçatez do personagem. Me fez lembrar do Machado, nosso patrono literário afeito a interromper a narrativa para compartilhar seus anseios com o leitor.

            O que mais me fascinou nessa série, desde a primeira temporada, foi a elevação da ação política ao absurdo. Tentarei definir ação política: passar por cima de tudo e de todos, de quaisquer valores, quaisquer verdades, quaisquer propostas, quaisquer demandas da sociedade para se manter no poder. Em meu mundo real, até então, isso tudo era verdade, mas ainda existia alguma esperança em coisas como movimentos sociais, imprensa livre, internet, instituições republicanas, e, no limite, alguém com algum poder e noção de moral.

            Frank Underwood nos mostra na série uma suposta plausibilidade de chegar à presidência do mais poderoso país do planeta sem um voto sequer. Ele nem sequer era o vice-presidente. As estripulias do poder deram conta do recado. Em última análise, a série nos faz questionar a eficiência da democracia. Kevin Spacey faz desse momento a mais notória quebra de narrativa da série. Perceber o Brasil pior do que House of Cards não é caso de meme no Facebook, é caso de genuíno desespero. Um Brasil mais surrealista do que “House of Cards” me lembrou hoje do dia em que li o livro do Gabo sobre os tempos de Pablo Escobar. Um livro em que o realismo fantástico perde a graça diante da realidade.

            Não faço a menor ideia de como concluir esse texto. Vou dar uma de Machado, uma de Frank Underwood, vou virar para a tela, olhar nos olhos de vocês e dizer: “Pois é. Eu não sei”. Vamos de Dilma até 2018? Vamos de Temer? Vamos de novas eleições? Vamos de República do Golden Tulip? (Para quem não sabe, é o Hotel de onde Lula está governando o país atualmente). Vamos de Cunha? De Renan? De Presidente do Supremo?

     Alguém, nas próximas semanas, decidirá por nós. Não será um constitucionalista, um representante dos movimentos sociais, um empresário, um funcionário público, um desempregado, um banqueiro, um jornalista, um representante de ONG. Será um Frank Underwood. Pior: Será um Frank Underwood tupiniquim.


             

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