Quarentar
é engraçado. Pode ser a metade da vida. Dá direito àquela tal crise. Na
prática, talvez seja a fase da chatice. Achar-se safo suficiente para olhar as
pessoas de soslaio. A vida oferece coisas e a gente desconfia. Um bom quarentão
não acredita mais em nada: não acredita em políticos, manifestações populares,
não acredita mais em nenhum jornalista (são todos vendidos à esquerda ou à
direita). Eu me tornei um chato. Amargo, tecnocrata, meticuloso, avesso a tudo:
a artistas, a intelectuais e até mesmo a
escritores.
Ser quarentão dá saudades de outros tempos, de um tempo em
que o tempo passava mais devagar. Outro dia minha sobrinha Maroca disse: “Tio,
lembra quando nós estávamos na Argentina e fomos ao Zoológico? Você ficou bravo
comigo quando eu fiz carinho na capivara?”. A perspectiva de uma adolescente de
treze anos contando uma memória de criança de nove. Aquela capivara, para mim,
estava na semana passada. Uma palavra ao vento de sobrinha me transportou a
outro universo. Quando eu tinha a idade dela, as interações com tios tinham um
significado mágico, eram duradouras, não eram rotinas chatas de quarentões
burocratas.
Talvez a tal crise da meia-idade
seja apenas isso, constatar ponteiros de relógio passando mais rápido. Este ano
escrevi duas cartas para pessoas muito queridas na minha vida, minha prima
Marília (que na prática é tia) e meu tio Renato. Ambos completaram 80 anos. Hoje,
em relação a eles, estou no meio do caminho. Escrevi como se estivessem ali na
esquina. O comentário espontâneo da Maroca me remeteu às lembranças carinhosas
com todos os meus tios: Renato, Rogério, Raul, Silvia, Yader, Sarah, Paulo.
Tive capivaras deliciosas com todos eles.
Ponteiros passando mais rápido poderiam gerar
ansiedade. Sorte que agora me lembrei de um livro, “Felicidade”, de Eduardo
Giannetti. Li esse livro num momento bastante infeliz. Há uns dez anos. Estava
com trinta e poucos. Casamento, pai e emprego perdidos numa batelada só. Naquela
época a leitura do livro me deu uma perspectiva curiosa: apesar de a minha vida
estar uma merda, o mundo, o Brasil e talvez a humanidade caminhassem para um
lugar melhor.
Dez anos depois, vi tudo virar do
avesso. Não tenho muita certeza em relação ao mundo, mas o Brasil desceu
ladeira abaixo e eu, depois de todo o perrengue, acabei melhorando. Encontrei
minha paz em Brasília, achei minha Vivica, acabei num emprego público federal
com estabilidade. Posso me dar ao luxo de gastar tempo preocupado com os
outros. A vida de um funcionário público federal de Brasília em 2016 é uma
pequena Finlândia incrustada no Haiti.
Ao olhar para os próximos quarenta,
vejo uma mistura meio desequilibrada. Uma dose cada vez menor de esperança
adolescente com doses cavalares de ceticismo. Sou um burocrata frustrado com a
burocracia e um artista frustrado com os artistas. Para onde correr? Eu me pego
rindo à toa, imaginando se seria possível existir uma alguma arte de direita.
Ou talvez um gênio de esquerda não disposto a vender a arte ao João Santana.
Meu quarentar é engraçado e trágico.
Rio e lamento ao mesmo tempo das politicagens corretas. Rio e lamento das
olimpíadas no Rio. Rio e lamento da minha impotência diante de tudo. Leio o
Estadão como meu pai lia aos seus quarenta, já meio desanimado, já meio
conformado. Li o Estadão hoje lamentando os mesmos PMDBs que meu pai lamentava
nos anos 80 e 90.
Vou terminar com minha esquizofrenia
quarentona, meu dilema diário de burocrata versus artista. Meu sonho era ser
músico, estudei por décadas, mas nada saiu. Por sorte minha banda favorita, o
Rush, comemorou 40 anos de carreira no mesmo ano em que fiz 40. Eu me lembrei
também do meu filme favorito, “Amadeus”, onde o maestro Salieri conta sua
história de músico medíocre diante do gênio Mozart.
Talvez meu destino, dos 40 aos 80
seja aceitar meu Salieri. Vou contar
coisas, como faço agora nesta noite fria e rara em Brasília. Quero ser um
eterno pêndulo, buro... crata... ar...tista...crata....tista...buro...ar...