14.6.16

Quarenta mesmo

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          Quarentar é engraçado. Pode ser a metade da vida. Dá direito àquela tal crise. Na prática, talvez seja a fase da chatice. Achar-se safo suficiente para olhar as pessoas de soslaio. A vida oferece coisas e a gente desconfia. Um bom quarentão não acredita mais em nada: não acredita em políticos, manifestações populares, não acredita mais em nenhum jornalista (são todos vendidos à esquerda ou à direita). Eu me tornei um chato. Amargo, tecnocrata, meticuloso, avesso a tudo: a artistas, a intelectuais e até mesmo  a escritores.

Ser quarentão dá saudades de outros tempos, de um tempo em que o tempo passava mais devagar. Outro dia minha sobrinha Maroca disse: “Tio, lembra quando nós estávamos na Argentina e fomos ao Zoológico? Você ficou bravo comigo quando eu fiz carinho na capivara?”. A perspectiva de uma adolescente de treze anos contando uma memória de criança de nove. Aquela capivara, para mim, estava na semana passada. Uma palavra ao vento de sobrinha me transportou a outro universo. Quando eu tinha a idade dela, as interações com tios tinham um significado mágico, eram duradouras, não eram rotinas chatas de quarentões burocratas.

            Talvez a tal crise da meia-idade seja apenas isso, constatar ponteiros de relógio passando mais rápido. Este ano escrevi duas cartas para pessoas muito queridas na minha vida, minha prima Marília (que na prática é tia) e meu tio Renato. Ambos completaram 80 anos. Hoje, em relação a eles, estou no meio do caminho. Escrevi como se estivessem ali na esquina. O comentário espontâneo da Maroca me remeteu às lembranças carinhosas com todos os meus tios: Renato, Rogério, Raul, Silvia, Yader, Sarah, Paulo. Tive capivaras deliciosas com todos eles.

             Ponteiros passando mais rápido poderiam gerar ansiedade. Sorte que agora me lembrei de um livro, “Felicidade”, de Eduardo Giannetti. Li esse livro num momento bastante infeliz. Há uns dez anos. Estava com trinta e poucos. Casamento, pai e emprego perdidos numa batelada só. Naquela época a leitura do livro me deu uma perspectiva curiosa: apesar de a minha vida estar uma merda, o mundo, o Brasil e talvez a humanidade caminhassem para um lugar melhor.

            Dez anos depois, vi tudo virar do avesso. Não tenho muita certeza em relação ao mundo, mas o Brasil desceu ladeira abaixo e eu, depois de todo o perrengue, acabei melhorando. Encontrei minha paz em Brasília, achei minha Vivica, acabei num emprego público federal com estabilidade. Posso me dar ao luxo de gastar tempo preocupado com os outros. A vida de um funcionário público federal de Brasília em 2016 é uma pequena Finlândia incrustada no Haiti.

            Ao olhar para os próximos quarenta, vejo uma mistura meio desequilibrada. Uma dose cada vez menor de esperança adolescente com doses cavalares de ceticismo. Sou um burocrata frustrado com a burocracia e um artista frustrado com os artistas. Para onde correr? Eu me pego rindo à toa, imaginando se seria possível existir uma alguma arte de direita. Ou talvez um gênio de esquerda não disposto a vender a arte ao João Santana.    

            Meu quarentar é engraçado e trágico. Rio e lamento ao mesmo tempo das politicagens corretas. Rio e lamento das olimpíadas no Rio. Rio e lamento da minha impotência diante de tudo. Leio o Estadão como meu pai lia aos seus quarenta, já meio desanimado, já meio conformado. Li o Estadão hoje lamentando os mesmos PMDBs que meu pai lamentava nos anos 80 e 90.

            Vou terminar com minha esquizofrenia quarentona, meu dilema diário de burocrata versus artista. Meu sonho era ser músico, estudei por décadas, mas nada saiu. Por sorte minha banda favorita, o Rush, comemorou 40 anos de carreira no mesmo ano em que fiz 40. Eu me lembrei também do meu filme favorito, “Amadeus”, onde o maestro Salieri conta sua história de músico medíocre diante do gênio Mozart.

            Talvez meu destino, dos 40 aos 80 seja aceitar meu Salieri.  Vou contar coisas, como faço agora nesta noite fria e rara em Brasília. Quero ser um eterno pêndulo, buro... crata... ar...tista...crata....tista...buro...ar...