26.11.16

Celebridades


Essa semana conversei com meus amigos de colégio no whatsapp. Um dos assuntos foi o show do Justin Bieber. Tenho quarenta anos. Portanto, é razoável ter amigos com filhos em idade de Justin Bieber. O assunto girava desde a logística envolvida no transporte de um filho a um show deste porte com segurança até a relevância cultural de fazer isso em meio a outras opções mais esquerdetes e politicamente corretetes. Tentei me envolver o mínimo possível, mas o dia laboral estava especialmente entediante. Acabei sendo sacaneado, sofrendo bulivs. Afinal, segundo meus amigos, eu, se um dia filhos tiver, serei obrigado a levá-los aos shows dos Biebers de andador ou cadeira de rodas.
Ganhei um consolo parcial hoje à tarde, conversando com um pai em começo de carreira durante a festinha de dois anos da Sosô, filha dos meus padrinhos de casamento. Depois de contar a história do primeiro parágrafo, ele ponderou algo provavelmente muito verdadeiro: a energia para este tipo de empreitada, quando o filho é seu, tende a ser muito maior.
Decidi projetar minha carreira de pai. Imagino um dia, uma sexta-feira, eu cansado da semana de trabalho, chegando em casa com enxaqueca, como de costume, encarando um filho, ou dois, ou duas filhas, arrumadas e maquiadas, prontas para uma fila quilométrica, uma desorganização típica tupiniquim, uma multidão mijenta e adolescentes histéricas. O que – o que, meu Deus! –me faria encontrar motivação numa hora dessas?
Seria obrigado a voltar ao passado e pensar: quais celebridades influenciaram minha vida? Quais me fariam voltar ao passado e levar, feliz, mesmo no andador, uma filha ao show do Justin Bieber?

Celebridade de número 1 – Walter Casagrande Júnior

Compreendo, até acho justo, a maior parte dos brasileiros considerar o Casagrande apenas mais um bom jogador de futebol. Ele pode não ter sido um Tostão, um Ronaldo, um Romário, um Careca. Camisas nove do Corinthians muito piores ganharam títulos mais importantes. Mas nenhum jogador do Timão teve maior influência na minha decisão. Casagrande foi o cara enviado pelo Todo-Poderoso para entrar no apartamentinho do pequeno Iatã e dizer: mano, você será Curinthia para sempre.

Impossível lembrar a ordem das coisas. Só posso descrever os flashes de memória da infância, no começo dos anos oitenta. Um dia meu pai me levou ao Pacaembu pela primeira vez. Era um dia de semana, ele tinha acabado de sair do trabalho. Chegamos no segundo tempo de um Corinthians e XV de Jaú. Papai me levava pela mão em direção ao Tobogã: vamos ver o Doutor, o Zenon, o Vladimir e o Casão, meu filho!

Na mesma época, minha família tinha uma funcionária doméstica chamada Didi. Didi era perdidamente apaixonada pelo Casagrande e tinha um pôster dele bem grande no quarto, pertinho da TV branco e preto, aquele benefício trabalhista que as famílias de esquerda concediam aos criados nos bons e velhos anos oitenta. Minha memória é clara e escrachada: eu sempre saía da sala onde meu pai estava vendo os jogos do Timão na TV a cores para assistir aos jogos no quarto da Didi. Óbvio, era muito mais legal. O máximo que meu pai concedia era um “gol”, sem acento de exclamação, meio muxoxado, uma animação cansada de velho. No quarto da Didi a coisa era diferente. Minha área de serviço virava o setor laranja, mano. Na TV branco e preto nunca dava pra saber quem era Corinthians,  quem era XV de Piracicaba ou o Comercial de Ribeirão Preto. Eu só sabia quando era gol quando a Didi distinguia a cabeleira do Casão e saía surtada gritando: “É Goooooool! É Goooool do meu gato Casagrande!”. 


  Eu estava no Pacaembu no dia em que a Fiel gritou: "Volta, Casão, seu lugar é no Timão".


Celebridade de número 2 – Gene Wilder

Um dia eu estava a caminho do trabalho ouvindo a rádio CBN. No dia anterior Ronald Golias tinha morrido. Era a hora do “Liberdade de expressão”, com o Cony e o Artur Xexéo. O Cony falou uma coisa muito interessante, nunca mais esqueci. Ele explicou a diferença entre um comediante e um cômico. O comediante, dizia ele, é um ator interpretando um texto supostamente engraçado. Um cômico é engraçado sozinho, não precisa de texto. Basta ser um  Ronald Golias, um Zacarias, um Didi com peruca de Maria Bethânia. Pois é. Meu cômico favorito se foi recentemente. Gene Wilder, o Willy Wonka, da fantástica fábrica de chocolate. 


   Ronald Golias demonstra, magistralmente, a diferença entre um comediante e um cômico.


No começo dos anos oitenta não havia internet, youtube, google, nada disso. Gene Wilder entrou na minha vida através das sessões da Tarde da Globo e de um amigo do prédio que gravava o filme em VHS e me chamava para assistir ao filme na casa dele. Devo ter assistido ao “Willy Wonka and the Chocolate Factory”, da infância até hoje, por baixo, umas cinquenta vezes. Pouquíssimo filmes impactaram e influenciaram tanto a minha vida. Durante a infância, posso dizer que foi o único. 


                         O delicioso mundo misterioso do Willie Wonka de Gene Wilder

Meu fascínio pelo Willie Wonka de Gene Wilder era fruto do mistério. Aquele personagem meio louco, às vezes bonzinho, às vezes meio agressivo, com roupas excêntricas, liderando anões misteriosos de cabelo verde. Depois da morte de Gene, comecei a fuçar algumas coisas sobre ele na internet. Encontrei uma entrevista dele um “talk show” da TV americana onde ele diz que o filme não foi um sucesso comercial nos EUA. Ele explica: as crianças gostavam do meu personagem. Quem não gostava eram as mães.  


     As crianças (como eu) adoram o Willie Wonka de Gene Wilder. As mães, nem tanto... 

O tempo passou, fui ficando mais velho, passei da infância para a adolescência, e eis que Gene Wilder continuou a me ensinar as coisas mais importantes da vida. Para fazer a cena de um médico atendendo um Armênio apaixonado por uma ovelha, Woody Allen não poderia contar com nenhum ator. Nem o maior comediante do mundo bastaria. Apenas um cômico como Gene Wilder poderia fazer alguém gargalhar numa cena em que ele fica em silêncio (eu cronometrei) por mais de dez segundos. 


 
                                                Gargalhadas no silêncio: só um cômico é capaz de fazer 


Celebridade de número 3 – Neil Peart

Neil Peart é o baterista da minha banda favorita, o Rush. Meu primeiro contato com a banda foi num dia na casa da minha amiga Giana. O irmão dela tinha um vinil do álbum “Presto”, do Rush de 1989. Isso deve ter acontecido lá por 1992 ou 1993... Hoje a Giana é  uma das melhores cantoras da MPB brasileira. O rock nunca foi  muito a praia dela. Mesmo assim, nunca esqueci dela batendo as mãozinhas na cama, tentando me mostrar as conduções diferentes que Neil fazia dentro da mesma música, sua criatividade e sensibilidade.

O Rush começou em 1976, o ano em que eu nasci. Eles fizeram a turnê comemorativa de quarenta anos este ano e eu ganhei da minha esposa, no meu aniversário de quarenta anos, o DVD deste show com um bilhete: “Nenhum outro presente no mundo teria mais a sua cara do que este”. Fiquei feliz duas vezes: por ter uma esposa que me conhece tão bem e por perceber que ainda existe uma banda capaz de me fazer sentir como um adolescente doente pelas suas celebridades.

Só tem um detalhe. Neil Peart é provavelmente o único astro do rock mundial a odiar ser uma celebridade. Ele é ao autor da grande maioria das letras das músicas da banda. Em uma delas, “Limelight”, o recado fica claro: “I can`t pretend a stranger is a long-awaited friend”. Além disso, na minha modesta interpretação, Neil tenta mostrar o quanto é ridículo se achar superior aos outros pelo simples fato de estar num palco. Enfim, uma anticelebridade por excelência.

 
Living on a lighted stage

Approaches the unreal

For those who think and feel

In touch with some reality

Beyond the gilded cage



Cast in this unlikely role

Ill-equipped to act

With insufficient tact

One must put up barriers

To keep oneself intact



Living in the limelight

The universal dream

For those who wish to seem

Those who wish to be

Must put aside the alienation

Get on with the fascination

The real relation

The underlying theme



Living in a fish eye lens

Caught in the camera eye

I have no heart to lie

I can't pretend a stranger

Is a long-awaited friend



All the world's indeed a stage

And we are merely players

Performers and portrayers

Each another's audience

Outside the gilded cage



Living in the limelight

The universal dream

For those who wish to seem

Those who wish to be

Must put aside the alienation

Get on with the fascination

The real relation

The underlying theme



Living in the limelight

The universal dream

For those who wish to seem

Those who wish to be

Must put aside the alienation

Get on with the fascination

The real relation

The underlying theme

The real relation

The underlying theme




Conclusão

Se um dia filhos tiver, não faço a menor ideia do que direi sobre celebridades. Provavelmente não será algo ao meu alcance. Caso algum dia eles perguntem quais são minhas celebridades preferidas, eu talvez tente resgatar esse texto em alguma nuvem futurística. Se não for possível, deixarei estar. Eles que escutem seus corações.

Um comentário:

Amanda Abdia Pliuschchik disse...

Amei o texto..e a intensidade das palavras...consegui imaginar cada cena e sentir cada sentimento...como digo sou sua fã!!