8.6.12

Rush e o Facebook



Minha obsessão por Rush começou cedo. Acredito já ter contado, aqui mesmo neste blog, a história das minhas tardes de estudo na casa da Giana. Estávamos no primeiro ou segundo colegial, portanto 1991 ou 1992.  Saíamos do Bandeirantes, na rua Estela, depois do final das aulas da manhã, lá pelo meio-dia e meia. Caminhávamos por toda a Cubatão, atravessávamos a Bernardino e depois vinha mais um bom pedaço da 13 de Maio, onde ficava o prédio dela. Para cada meia hora de estudo, umas duas e meia de conversa sobre a vida. Era um apartamento amplo e muito gostoso, com um piano preto na sala e uma cozinha enorme. Havia uma mesa no meio onde no final da tarde sempre pintava um pãozinho francês fresquinho e uma mortadela. Uma delícia aquelas tardes, e aquele tempo também.
Numa destas muitas duas horas, a Giana me mostrou um disco do Rush, ainda em vinil. Eram do Rodrigo, irmão mais velho dela. Ela batia os dedinhos na cama pra mostrar como os andamentos de cada parte de música eram completamente diferentes, a dinâmica e o clima se alternavam e essas coisas. Enquanto toda a galera do colégio ouvia Metallica, Gun`s, AC/DC e Iron Maiden (nada contra. adoro e escuto até hoje), a Giana me fez ouvir Jane`s Addiction, Chick Corea, Milton Nascimento instrumental e Rush. Quando lembrei esta história recentemente, ela riu e esnobou de brincadeira dizendo que as batidas das músicas dela são muito mais difíceis. Eu acredito. Mas pouco importa.
Essas memórias vieram a tona quando assisti ao filme “Beyond the Lighted Stage”, um documentário sobre a história do Rush. Finalmente entendi com clareza: as impressões do mundo sobre a banda eram as mesmas do meu mundinho de pátio de Bandeirantes. Rush sempre foi como filme do Woody Allen ou Corinthians, ou a pessoa venera ou odeia com todas as forças. Gostar de Rush colocava a pessoa numa categoria diferenciada dentro do colégio, não sei se para o bem ou para o mal. No Bandeirantes a coisa era confusa porque o colégio era predominantemente composto por nerds. O filme mostra claramente que no “mainstream” dos Estados Unidos e do Canadá a divisão era mais clara. Quem gostava de Rush era nerd, quem gostava de KISS era do time de futebol americano, comia todas as mulheres e usava jaquetas vermelhas. Uma das cenas mais engraçadas do filme é o depoimento de Gine Simmons sobre uma turnê onde o Rush abria para o Kiss. Depois do show, o KISS ficava bem louco e trepava com o hotel inteiro enquanto o Rush ficava no quarto lendo livros de literatura.   


Alguns discos da banda, de fato, não são lá muito fáceis de digerir. O filme mostra a ascensão da banda depois dos dois primeiros discos e a brochada geral, do público e da gravadora, com o “Caress of Steel”. Acessando meu HD da juventude, só lembro do George carregando esse CD com convicção nos antigos porta-cds de carro. O único que o ouvia sozinho no carro e não carregava só pra mostrar que gostava “até do Rush Lado B”.  Hoje eu escuto esse álbum e acho muito bom. Aliás, estou escutando enquanto escrevo esse texto. Mas não sei se teria essa opinião tão convicta em 1994.
O mais legal foi ver a banda enfrentar o dilema: fazer um próximo disco mais comercial ou correr o sério risco de acabar a carreira e qualquer possibilidade de dinheiro, sucesso e similares. Eles sacaram o “2112”, um disco com um Lado A de mais de vinte minutos contando uma história de ficção futurista numa sociedade totalitária.  Impossível pensar numa coisa mais nerd e menos comercial. Tudo bem que eles deram uma aliviada com a “A Passage to Bangkok” no lado B, uma faixa de três minutos, aceitável para FMs, basicamente uma ode à molecada fumadora de maconha. Mas, ainda assim, tinha que ter colhão.
Minha intenção com essa postagem não é contar o filme inteiro. Mas muitas coisas mexeram com memórias muito importantes, ainda que pareçam bestas. Uma delas era a  lenda urbana sobre o baterista, Neil Peart. Aos leitores mais jovens esclareço: lenda urbana era uma coisa que existia antes da invenção da internet e do Google. Eram boatos que ganhavam proporções estratosféricas e, na época, não havia muitos meios para contradizê-los. Hoje nenhum pai pode, por exemplo, assustar seus filhos com a história do Homem do Saco. O moleque vai pegar o Ipad, digitar “homem do saco” no google e sacar que ele não existe... É mais ou menos por aí.
Enfim. No meu tempo de colégio começou a circular uma lenda urbana de que o Rush estava parado porque o Neil Peart era gay e estava com AIDS. Eu até hoje não sei direito se esse boato era de fato uma lenda urbana ou se foi apenas uma lenda bandeirantina espalhada pelo Sr. Caio Macedo Carvalhal, emérito odiador da banda em nosso círculo de amigos. Peço encarecidamente aos leitores que me ajudem a esclarecer esse ponto via comentários.
A versão oficial, contada no filme, é a seguinte: Neil Peart perdeu a filha num acidente. Alguns meses depois a esposa dele também morreu, não fica claro o porquê. A banda decide parar por período indeterminado e Neil sai viajando pelo mundo sem contar pra ninguém onde estava. Aí vem a parte mais emocionante, pelo menos para mim. Parte da reconstrução da banda, e do próprio Neil, foi viajar para lugares onde eles nunca haviam estado, entre eles o Brasil. Ele conta que não tinha noção da popularidade que tinham aqui. O show em São Paulo foi o maior público da banda em quase quarenta anos, sessenta mil pessoas. Eu sempre desconfio deste tipo de “marketing emocional”. Faz parte do ter 36 anos. Mas basta assistir o DVD “Rush in Rio” pra perceber que não é balela. A reação do público no começo do show, aos primeiros acordes de “Tom Sawyer”, arrepia até os pentelhos. Além disso, nunca antes na história do rock, como diria nosso ratão criminoso eleitoral Luiz Ignácio, eu vi um show onde a massa num estádio canta uma música instrumental do começo ao fim, como fizeram com “YYZ”.
Aqui, após oito parágrafos, chega a hora de explicar porque este texto se chama “Rush e o Facebook”. Pois bem. Depois do filme me proporcionar tantas catarses e epifanias, achei que a montanha russa emocional tinha parado. Mas eis que, junto com os letreiros, vinha um pequeno epílogo, um jantar dos três camaradas do Rush num restaurante qualquer. Eles começam a comer, beber uns vinhos a aos poucos o papo vai se soltando. Um festival de piadas internas que, obviamente, não tem a menor graça. Lá pelas tantas o Geddy Lee (cantor e baixista da banda) solta a seguinte pérola filosófica (em tradução livre minha): “Nós estamos arruinando o filme desses caras. Todo mundo vai ver quão enfadonhos nós somos”. Na verdade, no inglês fica mais evidente: ”Everybody will realize how BORING we are”.  


Não acredita? Então veja lá.


Se eu fosse um investidor milionário, não teria comprado as ações do Facebook. Não pela tradicional desconfiança sobre as empresas de internet, mas por um fato muito mais simples e essencial. Eu não acredito no futuro do Facebook porque ele escancara, cruelmente, o quanto as pessoas não são interessantes. Ironicamente, essa verdade vale da mesma forma para o meu ídolo Geddy Lee e para aquela menina que trabalhou comigo dez anos atrás e é minha “amiga” no Facebook. Toda a ideia por trás desta empresa só confirma minha convicção de investir cada vez mais meu tempo em livros e escrita de ficção, em videogames, em arte, em qualquer coisa capaz de transformar a realidade em algo mágico. O Facebook é um jornal nacional dos nossos amigos. Prefiro ignorar essa programação e tocar apenas as músicas selecionadas pela imaginação e pelo coração.