11.5.16

Tchau, querido Descartes

A única maneira de escrever um texto honesto sobre hoje é separar a razão do coração. Num tempo brasileiro antigo, quando eu ainda não desprezava artistas e intelectuais, ouvi uma manifestação que marcou minha vida. O músico Jorge Mautner declamou uma poesia linda no meio de um show do Gilberto Gil. Dizia algo mais ou menos assim: "Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo, todo coração!".

Uma das principais razões pelas quais desprezo Dilma, Lula e o PT é a hipocrisia. A dissimulação de governar treze anos em nome de um projeto para favorecer os pobres e excluídos e entregar, como todos os dados econômicos hoje comprovam, uma tragédia, uma fatura dolorida a ser paga primordialmente por eles.

Na madrugada de hoje, à medida em que o voto do último senador golpista se aproximar, meu coração vai ameaçar tomar conta. Terei vontades de tomar um porre, abrir uma champanhe, soltar rojão e correr para a praça dos três poderes para fazer um bunda-lê-lê enquanto a presidenta e seus ministros descem a rampa.

Infelizmente minha razão ainda existe. Essa mala sem alça não cansa de me lembrar de que o projeto hipócrita de poder foi aprovado e reaprovado três vezes pela maioria dos brasileiros. Ainda concordo com o argumento de Eduardo Jorge: se não formos capazes de enterrar o PT nas urnas, o fantasma vai nos assombrar para sempre. Talvez não na forma de PT, ou de Lula, pouco importa. O problema do câncer (e o petismo é um câncer) é justamente sua capacidade de se metamorfosear.

Ao contrário da opinião majoritária, acredito que não estamos acertando a Jararaca na cabeça. Estamos fazendo uma coisa tosca e atabalhoada. A euforia pela saída de Dilma corre o risco de ser coroada com uma pusta ressaca, daquelas em que é difícil até abrir o olho.

O grande impichado do processo político brasileiro não será Dilma, será René Descartes. O que vivemos hoje é uma guerra santa, o enterro completo da razão. Não há mais a menor preocupação com os fatos, só com versões. Uma suruba de mentiras, uma festa de vídeos toscos e acusações infundadas no YouTube, nas redes sociais e na TV Senado. Ver parlamentar brasileiro chamar urubu de meu louro deixou de ser piada faz muito tempo. E isso vale para a esquerda, para a direita, para o centro, para o norte e o sul.

Quando a razão dorme, dorme também a democracia. Rodamos e rodamos a roleta por mais de trinta anos para voltar, por opção, ao velho PMDB do Sarney. Durma-se com uma ressaca dessas.