Qualquer
debate impossível no Brasil será sempre definido como Fla x Flu. O título desta
crônica é uma sacanagem, uma luta inglória de paulistano tentando mudar o céu de azul para amarelo. O céu será
sempre azul. Exceto em Londres ou na Islândia, será sempre azul . É o famoso
óbvio ululante. Essa provocação é mera saudade de um tempo remoto, quando o
discurso de direita era de Nelson
Rodrigues, não do Kim Kataguiri.
Qualquer paulistano convicto,
militante e honesto, há de convir que o Rio é o Rio. É quase um postulado.
Clássico é clássico, e coisa e tal.
Nenhuma outra cidade do mundo faria uma olimpíada bem sucedida em meio à
maior crise econômica da história da República, assim como ninguém jamais fará
um Flamengo x Botafogo como Garrincha.
Nelson Rodrigues entrou na minha
vida lá pelos começos dos anos 2000. Fui abençoado por um desemprego
temporário, meu primeiro desemprego. Foi
a primeira vez que li peças de teatro inteiras num livro. Junto com elas, li a
biografia do Ruy Castro sobre ele. Apesar de neolibreal, devo confessar que os
períodos mais felizes e mais produtivos intelectualmente da minha vida foram os
que estive desempregado. Vou tentar ignorar o último período para não correr o
risco de entrar em contradição.
Minha relação com a arte é estranha.
Ela pula de obsessão em obsessão. Tenho as minhas “fases”. Não consigo me
desinteressar por um artista antes de esgotar ao limite minha pesquisa e
convivência com ele. Tive minha fase Mozart, minha fase Woody Allen, minha fase
Gilberto Gil, minha fase Dominguinhos, minha fase Stanley Kubrick, mais
recentemente minha fase Rush e bandas de rock da adolescência. Atualmente estou
na fase The Who e Conan Doyle/Sherlock Holmes.
Tergiversei. Voltando ao anjo
pornográfico, naqueles meses de desemprego, nos “earlies 2000s”, aprendi com
Nelson o verdadeiro significado da palavra “hipocrisia”. O verdadeiro intento
daquela putaria toda que ele escrevia não era chocar a sociedade carioca, era
jogar na cara dela, com toda força de um punho tradicional e conservador, a falsidade
ululante das relações sociais.
Infelizmente me falta conteúdo para
escrever mais sobre essa época do Brasil, que acho interessantíssima. Mas quero
aproveitar o gancho da hipocrisia e voltar a comentar nosso triste 2016. A
discussão política recente pode ser resumida com o termo Fla x Flu. Nelson
Rodrigues mal conseguia enxergar, mas fazia questão de ir ao Maracanã sofrer
alucinado pelo Fluminense. Depois voltava à redação e escrevia crônicas geniais
e apaixonadas. Um Fla x Flu não tem
sequer sombra de racionalidade. Não há espaço para honestidade intelectual na
marcação de um pênalti. Tudo sempre estará sujeito à interpretação e ao poder
político dos dirigentes.
Reconheço o problema desta analogia
quando pensamos na política. O Fla x Flu de verdade gera no máximo uma batalha
pela Taça das Bolinhas. Na vida real a coisa fica bem mais feia, envolve leis,
interpretações, juristas, congressistas, acordões, conchavos, quebradeiras, PMs
enlouquecidos e tudo o mais. Entretando, acho a analogia válida com respeito à
irracionalidade. O PT grita: “O céu é amarelo!”, a oposição grita: “O céu é
verde!” e quem grita mais alto ganha. Restam meia dúzia de idiotas levantando a
mão e dizendo: “Mas o céu, até ontem, não era azul?”.
No fundo, no frigir dos ovos (ou,
como diria meu amigo, “no fingir dos ovos”), estamos discutindo economia de
mercado versus socialismo em pleno 2016. Custa crer no quanto é patético. Se os
simpatizantes do PT e de Dilma ainda defendessem o Socialismo clássico com
alguma coerência, como faz Luiza
Erundina e como fazia Plínio de Arruda Sampaio, com dignidade e um mínimo de
repúdio à corrupção, o debate ainda faria algum sentido. Mas para eles basta
martelar eternamente que o céu é amarelo.
Do outro lado não há céu. Nem azul,
nem nada. Eu só consigo pensar agora numa luneta. Nossa solução, se houver,
deve estar anos, anos-luz de distância.
Um comentário:
Não concordo 100%,mas nem importa... que belo texto! (lembrei que também tive fase Kubrick, vi até o Barry Lyndon)
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