4.9.16

Corinthians x Palmeiras


Qualquer debate impossível no Brasil será sempre definido como Fla x Flu. O título desta crônica é uma sacanagem, uma luta inglória de paulistano tentando  mudar o céu de azul para amarelo. O céu será sempre azul. Exceto em Londres ou na Islândia, será sempre azul . É o famoso óbvio ululante. Essa provocação é mera saudade de um tempo remoto, quando o discurso  de direita era de Nelson Rodrigues, não do Kim Kataguiri.

            Qualquer paulistano convicto, militante e honesto, há de convir que o Rio é o Rio. É quase um postulado. Clássico é clássico, e coisa e tal.  Nenhuma outra cidade do mundo faria uma olimpíada bem sucedida em meio à maior crise econômica da história da República, assim como ninguém jamais fará um Flamengo x Botafogo como Garrincha.

            Nelson Rodrigues entrou na minha vida lá pelos começos dos anos 2000. Fui abençoado por um desemprego temporário, meu primeiro desemprego.  Foi a primeira vez que li peças de teatro inteiras num livro. Junto com elas, li a biografia do Ruy Castro sobre ele. Apesar de neolibreal, devo confessar que os períodos mais felizes e mais produtivos intelectualmente da minha vida foram os que estive desempregado. Vou tentar ignorar o último período para não correr o risco de entrar em contradição.

            Minha relação com a arte é estranha. Ela pula de obsessão em obsessão. Tenho as minhas “fases”. Não consigo me desinteressar por um artista antes de esgotar ao limite minha pesquisa e convivência com ele. Tive minha fase Mozart, minha fase Woody Allen, minha fase Gilberto Gil, minha fase Dominguinhos, minha fase Stanley Kubrick, mais recentemente minha fase Rush e bandas de rock da adolescência. Atualmente estou na fase The Who e Conan Doyle/Sherlock Holmes.

            Tergiversei. Voltando ao anjo pornográfico, naqueles meses de desemprego, nos “earlies 2000s”, aprendi com Nelson o verdadeiro significado da palavra “hipocrisia”. O verdadeiro intento daquela putaria toda que ele escrevia não era chocar a sociedade carioca, era jogar na cara dela, com toda força de um punho tradicional e conservador, a falsidade ululante das relações sociais.

            Infelizmente me falta conteúdo para escrever mais sobre essa época do Brasil, que acho interessantíssima. Mas quero aproveitar o gancho da hipocrisia e voltar a comentar nosso triste 2016. A discussão política recente pode ser resumida com o termo Fla x Flu. Nelson Rodrigues mal conseguia enxergar, mas fazia questão de ir ao Maracanã sofrer alucinado pelo Fluminense. Depois voltava à redação e escrevia crônicas geniais e apaixonadas. Um Fla  x Flu não tem sequer sombra de racionalidade. Não há espaço para honestidade intelectual na marcação de um pênalti. Tudo sempre estará sujeito à interpretação e ao poder político dos dirigentes.

            Reconheço o problema desta analogia quando pensamos na política. O Fla x Flu de verdade gera no máximo uma batalha pela Taça das Bolinhas. Na vida real a coisa fica bem mais feia, envolve leis, interpretações, juristas, congressistas, acordões, conchavos, quebradeiras, PMs enlouquecidos e tudo o mais. Entretando, acho a analogia válida com respeito à irracionalidade. O PT grita: “O céu é amarelo!”, a oposição grita: “O céu é verde!” e quem grita mais alto ganha. Restam meia dúzia de idiotas levantando a mão e dizendo: “Mas o céu, até ontem, não era azul?”.

            No fundo, no frigir dos ovos (ou, como diria meu amigo, “no fingir dos ovos”), estamos discutindo economia de mercado versus socialismo em pleno 2016. Custa crer no quanto é patético. Se os simpatizantes do PT e de Dilma ainda defendessem o Socialismo clássico com alguma coerência,  como faz Luiza Erundina e como fazia Plínio de Arruda Sampaio, com dignidade e um mínimo de repúdio à corrupção, o debate ainda faria algum sentido. Mas para eles basta martelar eternamente que o céu é amarelo.

            Do outro lado não há céu. Nem azul, nem nada. Eu só consigo pensar agora numa luneta. Nossa solução, se houver, deve estar anos, anos-luz de distância.  


Um comentário:

Paula Helena disse...

Não concordo 100%,mas nem importa... que belo texto! (lembrei que também tive fase Kubrick, vi até o Barry Lyndon)